Considerado o maior escritor chinês do século XX, Lu Xun (1881-1936) se destacou sobretudo por seus contos, reunidos aqui em O diário de um louco - Contos completos de Lu Xun, que compreende as três coletâneas de histórias curtas publicadas pelo autor: O grito, Hesitação e Histórias antigas recontadas.
Nelas se encontra um autor irônico e profundamente crítico das tradições de seu país, e também um painel de tintas fortes da cultura chinesa, sua rotina e seus mitos. Os contos foram traduzidos por Beatriz Henriques, Cesar Matiusso, Marcelo Medeiros, Marina Silva e Pedro Cabral, com coordenação e revisão técnica de Ho Yeh Chia, professora de língua e literatura chinesa do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo, que também assina o posfácio. O livro conta, ainda, com numerosas notas de rodapé que elucidam aspectos históricos e culturais da China.
Tal é a força dos escritos ficcionais e teóricos de Lu Xun que foram apropriados por diferentes tendências, sobretudo após sua morte. Mao Tsé-Tung, o dirigente máximo da China comunista entre 1949 e 1976, atribuía a Lu Xun o papel de farol da Revolução Cultural dos anos 1960 e 1970. Mas o próprio escritor qualificou sua postura política como “horizontal”, ou seja, equidistante entre o conservadorismo e as ideias da esquerda chinesa.
O conto que dá título à coletânea foi a primeira obra literária escrita em chinês vernacular, que incorpora as variações linguísticas de todo o país, em contraposição ao padrão clássico dominante.
Lu Xun destacou-se pela sutil mordacidade com que aborda o modo de ser e pensar dos chineses, e procurou trazer para sua obra literária as influências que recebeu de autores europeus, sobretudo os russos, além das novidades da ciência “estrangeira”, como o evolucionismo darwinista e a medicina moderna. Seus dois contos mais célebres, “O diário de um louco” e “A verdadeira história de Ah Q” tratam de questões ancestrais com olhar crítico e observam o canibalismo como símbolo das regras sociais chinesas. O termo “Ah Q-ísmo” incorporou-se ao vocabulário chinês para definir o hábito de considerar as derrotas como “vitórias morais”.
Além desses dois, os outros contos da primeira parte do livro, O grito, originalmente publicado em 1923, abordam diversos costumes arcaicos, entre eles a ingestão de pão embebido em sangue humano como medicamento, a obrigatoriedade draconiana do uso de tranças e a posição subalterna das mulheres na sociedade chinesa. Em Hesitação, reunião publicada em 1926, o olhar crítico intercala-se com contos que elogiam o amor conjugal e o fraternal (o próprio Lu Xun manteve uma parceria afetiva e intelectual com o irmão, Zhou Zuoren). A reunião Histórias antigas recontadas (1936) abraça o elemento fantástico das fábulas chinesas e imagina um encontro entre os dois grandes pensadores que orientaram milenarmente a filosofia chinesa, Confúcio e Laozi (também conhecido como Lao Tse e Lao Tzu).
Como relata a professora Ho Yeh Chia no posfácio da edição, durante vários anos Lu Xun simpatizou com o Partido Comunista da China. Ele militou na Liga dos Escritores de Esquerda e sugeria uma “literatura revolucionária de todos para todos”.
Depois de todas as revisões históricas, Lu Xun continua sendo um autor canônico na China e no Japão e traduzido em vários idiomas. Um indicador de sua importância é que uma carta que escreveu, de apenas uma página, foi arrematada em leilão em 2013 por 6,5 milhões de yuans, o equivalente a mais de 1 milhão de dólares.
Além dos contos, Lu Xu publicou traduções, ensaios e poemas em prosa.
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