Ogivas

Ogivas Débora Ferraz




Resenhas - Ogivas


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hagabrielah 06/12/2023

Em "Ogivas", a autora Débora Ferraz nos presenteia com uma coletânea de contos que exploram a complexidade da violência cotidiana. Com sua prosa afiada, Ferraz tece narrativas que se entrelaçam em torno da força, leveza e versatilidade das ogivas, cujos significados variados refletem a diversidade temática do livro.
No entanto, ao mergulhar nas páginas, deparei-me com uma experiência literária que não conseguiu capturar completamente minha atenção. Os contos apresentam uma carga emocional pesada e, por vezes, sombria, o que, para meu gosto pessoal, tornou a leitura um tanto difícil.
A sensação de que os contos eram "qualquer coisa" persistiu ao longo da leitura. A temática pesada da violência cotidiana, embora importante e reflexiva, não ressoou de maneira satisfatória com minhas preferências literárias. A falta de conexão emocional com as histórias e personagens contribuiu para a minha percepção mais morna da obra.
Entendo a intenção da autora em explorar as nuances da realidade violenta que permeia o cotidiano, mas a execução dos contos não conseguiu despertar o interesse que eu esperava. A densidade das narrativas e a carga emocional intensa podem ser elementos que cativam alguns leitores, mas, para mim, resultaram em uma experiência literária menos envolvente.
É importante ressaltar que as preferências literárias são altamente subjetivas, e o que não ressoa comigo pode muito bem cativar outros leitores. A habilidade de Débora Ferraz em abordar temas complexos é inegável, mesmo que a obra como um todo não tenha se alinhado completamente com as minhas expectativas.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 23/04/2022

Débora Ferraz - Ogivas
Editora Caos & Letras - 196 Páginas - Projeto Gráfico: Cristiano Silva Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2022.

A ambiguidade no título desta mais recente antologia de contos de Débora Ferraz desperta a curiosidade do leitor. Afinal, trata-se de referência às estuturas formadas por dois arcos que se cortam em ângulo, chamadas também de arcos ogivais, tão comuns na arquitetura gótica que revolucionou a história da arte ou trata-se de referência às temidas ogivas nucleares, presentes nos mísseis de longo alcance? Depois de ler as narrativas curtas e afiadas da autora não me resta dúvida de que a intenção aqui é de que a arte, na forma leve de construção literária dos contos, possa ser também uma arma demolidora contra o preconceito e a violência cotidianas.

E Débora Ferraz, que já foi vencedora dos Prêmios Sesc e São Paulo de Literatura, prepara as suas bombas como uma "exímia terrorista literária" na ótima definição do escritor Bruno Ribeiro na orelha do livro. No curto espaço de manobra dos contos, utilizando uma estrutura narrativa que tem muito de visual, Débora coloca o leitor no centro da ação desde o início, fazendo com que os detonadores sejam acionados quando menos se espera. É o caso de "There's a light that never goes out" com seu irresistível título (ler trecho abaixo) no qual, já no primeiro parágrafo, somos inseridos como voyeurs em uma orgia entre quatro amigos em um motel barato.

"Os braços sumarentos de Jonas estão em volta de mim. Ele me segura firme, enfia uma língua que parece uma lesma dentro da minha boca e me esfrega, inutilmente, contra sua ereção que é viva e pulsa como imaginamos que o coração do mundo deve pulsar. Isso deveria me restaurar por esta noite. Meus olhos estão fechados. Eu tento me concentrar nele e esquecer do mundo... Poxa... Essa foi uma semana difícil. / Mas de alguma forma, neste quarto de motel barato, na estrada de Cabedelo, fica difícil se concentrar numa pessoa quando tem mais duas, bem espalhafatosas, trepando e dividindo a cama com vocês. Estes dois aqui do lado, trepando como cachorrinhos... Estes são Nina e Fred.
– Mais rápido – ela diz pra Fred – e mais forte.
Acredite em minha palavra quando eu disser que 'mais rápido e mais forte', numa situação como esta, é no mínimo uma descortesia com o outro casal. A cama é minúscula, a luz não favorece ninguém, e eu sinto que vou cair da cama e quebrar um osso." (p. 47) - Trecho do conto There's a light that never goes out

Em "Você", uma estrutura narrativa em segunda pessoa trabalha de forma bem-humorada com os delírios de um ex-fumante que luta contra o vício (ler trecho abaixo), colocando em dúvida a própria condição mental do protagonista (você/eu). Por sinal, o humor está presente na maioria dos contos, com exceção de alguns como: "Pedra, papel e tesoura" que lida com a tragédia das balas perdidas que destroem futuros nas periferias dos grandes centros urbanos, "Dois perdidos em um dia branco", no qual um casal de amigos perdedores compartilham o alcoolismo e a falta de esperança na vida, assim como o sensível "Quatro de julho" que encerra o livro com o resumo de uma relação entre pai e filho por meio do futebol e das decisões de algumas copas do mundo disputadas pelo Brasil.

"Foi desde a última quinta que o desejo de fumar veio com tudo. Bastou o avião pousar no aeroporto Santos Dumont e suas grandes habilidades começaram a pulular. Bastou caminhar pelo saguão com todas aquelas lojas oferecendo cigarros, descaradamente. Uma coisa que descobri faz pouco tempo é que todo fumante sempre sabe onde o cigarro está. É uma espécie de sexto sentido. Mas os fumantes em recuperação são ainda piores. Eles sabem até dos lugares em que podem consegui-los na unidade (ah, unidades são os queridinhos dos fumantes em recuperação otimistas). Um fumante em recuperação, tal como um agente secreto ou um paranoico, ele está o tempo inteiro, enquanto finge falar com você, enquanto anda pelo saguão, enquanto preenche o cadastro, ele está o tempo inteiro esquadrinhando sua área em busca do inimigo. Conhece todas as rotas que o levam ao cigarro. Você envelhece nesse tempo inteiro. E foi assim que ontem você saiu de bermuda até o bar da esquina. Estava fechado. Menos mau, você pensou. Você disse a si mesmo que não, que de jeito nenhum. Isso não teve a menor intenção de saber a que horas aquele bar fechava. Então voultou para casa, fez polichinelos, flexões, marinheiro, agachamentos... Hoje está praticamente aleijado de dor muscular. E ainda assim querendo um cigarro." (p. 114-5) - Trecho do conto Você

No assustador e real "Notas sobre a travessia", novamente uma opção da autora pela transição da narrativa em primeira para segunda pessoa, também não há espaço para o humor quando a protagonista declara na abertura: "Tem uma bomba-relógio presa em meu corpo" e apresenta em retrospecto os primeiros dias da pandemia em 2020, o medo de um vírus então muito pouco conhecido e que ela carregava em seu próprio organismo ao retornar para o Brasil: "Mas, neste momento, parada de pé no meio do aeroporto de Guarulhos, você é uma personagem. Você decide ali mesmo pela paranoia. No fundo, sentir medo sempre foi sua especialidade."

E assim, com suas ogivas literárias, o livro de Débora Ferraz atinge o seu objetivo ao nos fazer refletir sobre as dificuldades de preservar o nosso resto de humanidade ainda possível em um mundo que mantém a sua rota de autodestruição ou, até mesmo, de enfrentar as nossas crises pessoais. Exemplo disso está em "O filhote do terremoto" (ler trecho abaixo), um conto que demonstra com muito lirismo a chegada da terceira idade, mesmo sendo uma condição ainda distante para a jovem autora, o texto é muito convincente. Uma obra recomendada e que se destaca na literatura contemporânea pela coragem na escolha dos temas.

"Aí depois foi bem no cantinho do olho. Começou a tremer também. Sabe quando dizem que é vista cansada? É isso... é isso. Cansaço. Eu abstraía a sensação nos meus movimentos repetidos. Descascar cebola, me encolher nos dias, olhar o menino brincando, derramar chá. Então, já era o dedinho e o canto do olho. O terremoto que me abalava os dias. Parte de mim trabalhava, inconscientemente, apenas para observar que os outros, minguados e distantes, mal perceberam o fato de que meu olho começava a rachar. Dava pra ver, se olhasse de perto, os vincos formando. São sinais tão claros, meu Deus... Eu conseguia ouvir o barulho, até. Era dentro de mim. E só de sentir, sozinha, eu sabia que eu ainda ia rachar inteira. O terremoto desfazia minhas bases. Definitivo. Fadado. Dava uma agonia medonha. Mas deixa que passa. Essas coisas são assim mesmo, não são? Dá e passa." (p. 174) - Trecho do conto O filhote de terremoto

Sobre a autora: Débora Ferraz é autora de Enquanto Deus não está olhando (2014), romance vencedor do Prêmio Sesc e do Prêmio São Paulo de Literatura. Estreou na prosa aos 16 anos com Os Anjos (2003) e publicou em várias coletâneas, entre elas Geração 2010, o sertão é o mundo. Sua obra foi traduzida para o alemão e para o inglês. É doutora em escrita criativa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e mestre em narrativas audiovisuais pela Universidade Federal da Paraíba. Nasceu em Serra Talhada (PE), mas mora atualmente em João Pessoa (PB), onde é cofundadora da escola de escrita Edícula Literária.
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