Coisas de Mineira 21/10/2022
O PROJETO, COURTNEY SUMMERS – A GENTE ATÉ ACHA QUE É SÓ NA LITERATURA…
“O Projeto é uma leitura bastante interessante, onde a autora explora um tema polêmico, ao nos apresentar uma espécie de culto religioso, que marca a vida de duas mulheres. Elas são irmãs, e não tinham mais ninguém por elas.”
À primeira vista, Courtney Summers (autora de Sadie) apresenta-nos um thriller psicológico potente. Acredito eu que escrever a respeito de crenças e fé seja um terreno não muito estável. Qualquer escorregão, você pode acabar fazendo algo que poderá vir a se arrepender mais tarde. Todavia, em O Projeto, conseguimos acompanhar o enredo proposto pela autora sem desacreditar da temática.
Resenha do livro O Projeto, de Courtney Summers
O prólogo de O Projeto nos leva a 1998. Bea Denham está ficando na casa de uma vizinha, para que seu pai acompanhe a sua mãe até a maternidade. Então Bea, que está com 6 anos, não entende bem o que está acontecendo. Por que sua irmãzinha resolveu nascer mais cedo? E porque ela não podia acompanhar os pais ao hospital era uma questão de injustiça para a garota.
“Ter uma irmã é uma promessa que só vocês duas podem fazer – e só vocês duas podem quebrar.”
A bebezinha precisa ficar no hospital, em uma incubadora. E isso assusta a pequena Bea, que acreditava que lugares especiais eram felizes e brilhantes. Mas, não. Sua irmã bebê está em um local frio, solitário e bem assustador. E assim sua mãe lhe explica como é especial a conexão entre irmãs.
A mãe reforça para Bea que ela não deixe de amar os pais, porque sentirá um amor muito grande por Lo. Os pais deram a ela a honra de escolher o nome da bebezinha, tão novinha e pequena. E Bea lhe chama de Gloria Denham. O que no decorrer do tempo, fica somente no apelido Lo. E elas vão ter sua relação especial.
O tempo passa, e em 2011, Bea está novamente em um hospital. E de novo ela olha para sua irmã mais nova ali, incapacitada, necessitando de cuidados médicos. Aconteceu um grave acidente. Um caminhão bateu no carro onde sua família estava. Os pais morreram na hora. Lo ficou presa às ferragens.
“E você não tem permissão para morrer.”
O Projeto salva?
Bea estava em um encontro, assistindo um filme no cinema quando “a coisa” aconteceu. Depois uma esticadinha para uma festinha. E na volta para casa, Bea acha estranho que os pais não tivessem ligado ainda… E por que o carro não está na entrada? Enfim, aconteceu o acidente, onde seus pais perderam a vida, e a de Lo está por um fio tênue.
Assim, bem debilitada emocionalmente, é como Lev encontra Bea. A garota havia perdido os pais, e sua irmã não tinha qualquer garantia de sobrevivência. Assim, vulnerável, foi fácil para Lev persuadir a garota a se juntar como membro dO Projeto. Entretanto a gente se pergunta… O que de fato é esse O Projeto?
Bom, para início de conversa, acredito que seitas não têm exatamente todo o chamariz indicando que é uma seita. Então, para a grande maioria da população de Nova Iorque, O Projeto é um local onde pessoas se reúnem para falar e se curarem de suas mazelas. Tem cunho de caridade. Porém, a gente, conforme as páginas vão sendo passadas fica sempre com essa questão em pauta.
“Deus, eu faço qualquer coisa. Por favor, Deus…”
A vida de Lo sem Bea
Lo cresceu e se desenvolveu. Sonha em escrever para um grande jornal ou revista. Contudo, ainda é nova e sem formação. Então ela é, por enquanto, a secretária de um veículo de informação em expansão. Ela quer muito ser promovida. Mas, sabe que precisa ter um “algo a mais” que a faça ser notada e validada.
O problema de Lo começou quando, já algum tempo, Bea a abandonou completamente. Ela se uniu aO Projeto, e por lá ficou. Sequer atendia telefonemas. Também não recebia a irmã pessoalmente. E isso fez com que um radar ficasse em alerta. As irmãs não se separariam sem um motivo forte. Elas só tinham uma à outra…
“Lo olhou para a irmã com olhos arregalados e perguntou a ela se tinha medo das coisas que não sabia que podiam acontecer com ela. Bea disse para Lo que não. Ela só acreditava nas coisas que conseguia ver.”
Após encontrar com um pai em luto, de uma situação a qual ela presenciou, Lo resolve investigar melhor O Projeto, e o que acontece realmente ali dentro daquela comunidade. Contudo, as pessoas responsáveis e que tomam algumas decisões lá dentro, desconfiam muito de Lo. Eles têm a certeza de que a garota distorceria os fatos, caso se infiltrasse e conversasse com os membros.
Lo simplesmente é rechaçada de todas as formas. Ela não é bem-vinda às reuniões, e sequer consegue entrar em contato com sua irmã. Nem mesmo vê-la de longe para aplacar a saudade, e quem sabe, ter respostas. Só que ela precisou aprender durante sua vida, a ser insistente. A correr atrás daquilo que precisa ou quer.
Dessa forma, no estilo “agua mole e pedra dura, tanto bate, até que fura”, que Lo acaba por descobrir outro viés daquele pessoal dO Projeto. Afinal de contas, será que eles realmente são bondosos, caridosos, cheios de fé e esperança, e sua mágoa por conta da atitude da irmã a cegou?
“Como convidada na Casa Chapman do Projeto Unidade no dia 22 de novembro de 2017, eu entendo que posso ter acesso a informações confidenciais sobre o Projeto, sua história, seus membros, seus funcionamentos internos e operações diárias…”
Somos uma família, um culto, uma seita?
O Projeto Unidade acaba se mostrando para Lo. Mas, porque ela adentrou e se interessou com a causa. E a autora soube brilhantemente criar nuances parecidas mesmo com as de um culto. O leitor não sabe se fica com suas próprias impressões ou se embarca com Lo no papo de Liev (que como grande parte dos líderes de seitas, é muito persuasivo e sedutor).
Se a gente se pergunta como pessoas se deixam levar por esse tipo de culto ou seita, é só pensar que no mundo existem pessoas traumatizadas, machucadas e desesperadas por paz, acolhimento. Também têm aqueles que são super de bem com a vida, e querem alcançar outras vidas, e fazê-los tão felizes e plenos quanto eles. Não é difícil imaginar.
Quando Summers busca fazer uma mescla de narrativa entre Bea e Lo, talvez, mas só talvez, ela tenha perdido a fórmula de um livro mais fluído. Os ritmos não se intercalam. E a gente pode até demorar um pouco para compreender os dois lados, que acabam sendo de uma mesma moeda. Entretanto, isso é algo que só você, como leitor, pode decidir.
“- Você acredita em Deus, Lo? (…)
– Eu só acredito em coisas que consigo ver.
Ele aponta para trás de mim.
– Olha.
Eu me viro e vejo meu reflexo em um espelho do outro lado do aposento. Mesmo de onde estou, minha cicatriz está visível, uma mancha de raio branco cortando meu rosto.”
Mas, do que se trata tudo isso…
Essa é uma história sobre amor fraterno, sobre pertencimento. A obra é bastante real, e não dramatizada para se tornar vendável. É um livro mais cru, que talvez não venha a ser tão aclamado. Mas, não é muito difícil sentir o quanto ele tem sensações verdadeiras. E quando atentos às linhas narrativas que vagam entre períodos temporais distintos, ficará quase tudo bem no final.
Finalmente, eu recomendo a leitura de O Projeto com olhar atento. A autora tem o dom das palavras. E assim, ela pode ir delineando o que realmente está acontecendo já desde o início. E a gente só sente a certeza absoluta, quando chega ao fim. Um livro triste, emocionante, cheio de luto, de amor verdadeiro e de enganos que nos deixamos ser pegos ao longo do caminho.
Por último, a Plataforma 21 trouxe O Projeto com a capa original, e que quando analisada, conseguimos ver refletir nela, o peso que encontraremos na narrativa. Ponto para a editora. A formatação é simples, o papel e fontes confortáveis aos olhos, e o tamanho do livro é mais compacto. Só elogios. Deixo então essa sugestão para quem gosta de literatura com cara de vida real.
“Você disse que escrever a verdade era a maior chance que você deve de estar viva – diz ele –, mas, no Projeto, você vai viver a verdade; não tem outro lugar onde você ficará mais viva.”
Por: Carol Nery
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