Camila Felicio 10/11/2023
Concluí a história faz 3 dias e já morro de saudades da Águeda, do humor pernóstico de Toni, das besteiras de Nikita e do errático Patachula (Patamanca em português)!
Ao entrar na leitura mergulha-se na psique do espanhol médio que ao contrário da hipocrisia mais abrasileirada mostra seu poço interno.
Patachula é um dos mil cinquentões que você encontrará em um bar espanhol vociferando loucuras inimagináveis enquanto bebe unas cañas e prega de espanhol legítimo, em 2018/2019 (ano do livro) o assunto principal era o independentismo catalão e o governo do PSOE -centro esquerda- pós moción de censura de Rajoy e do PP -direita- por casos de corrupção. Patachula é de Valladolid, foi um "guiño" para o público espanhol, a terra dos "fachas" (facistas) recebe como representante o personagem que converteu-se ao VOX, solta barbaridades pela boca e tem as passagens mais machistas do livro, só podia ser de "FACHAdolid" poderia dizer um leitor!
Toni é o "tío" divorciado que após um casamento ruim cria dentro de si mesmo uma misogenia incrível, filósofo, deixa-se levar pela depressão . É o niilista dos personagens de Aramburu, e ausente, não à toa Mersault (O Estrangeiro de Camus) é citado por várias passagens da obra, assim como obras de Saramago e demais autores reflexivos! A vontade de viver ausentou-se de Toni aos 8 anos e o acompanha durante toda a leitura e suas 365 entradas de diário!
Águeda é a personagem boa, a ex de Toni abandonada por ser feia, que fora escanteada por Amália (ex esposa de Toni), mas não consigo fechar a conclusão se gostei dela, posto que paira uma imprecisão sobre sua conduta, seria ela uma stalker? No livro ficamos com a dúvida, eu gostaria de sabê-lo.
Nikita filho de Toni, é o alívio cômico, eu ri horrores da cena do cabelo e peruca de Julia, o típico espanhol NI-NI, cruzaram-me tantos Nikitas em minha vida que foi-me
impossível não ver caras e rostos durante as passagens!
A história baseia-se em um diário de Toni, que decide morrer quando voltem os andorinhões à Espanha (Vencejos- por isto o título no original é Los Vencejos), durante as 365 entramos na psique do protagonista, nos envolvemos na narrativa, o odiamos, o insultamos (ele e Raulito destruíram a vida da própria mãe) e muitas vezes o entendemos porque ele é real, seus defeitos são comuns e os encontramos dentro de nós mesmos.
O livro tem uma escrita crua, difícil de digerir, difícil de entender para pessoas alheias à Espanha, não é como seus demais livros em que narra conflitos vascos e relações familiares.. Aqui vemos o engodo humano, a Espanha mais visceral, a pessoa mais comum fazendo o típico do cidadão médio da região, mas se não contextualizado torna-se de difícil compreensão.
A Espanha totalmente politizada, em que inclusive times de futebol vão de acordo com visão política - Atletico de Madrid de extrema direta, Madrid (Real) de direita, Barcelona de independentistas catalães, Athletic de Bilbao de esquerda nacionalista vasca/basca , Real Sociedad de Esquerda independentista basca/vasca, Sevilla de esquerda, Bétis de direita, Espanyol de direita, Celta de esquerda nacionalista galega (assim como o meu Deportivo La Coruña) e etc. Tudo na Espanha é politizado, Franco não foi retirado como ocorreu em Portugal e sua Revolução dos Cravos, Franco apenas foi enterrado e já havia designado a volta dos Bourbon -Borbón- e da monarquia como tal, ninguém pagou por nada, tudo seguiu igual com Franco enterrado ao lado de suas vítimas no Valle de los caídos, e essas consequências se observam no país totalmente fragmentado e inimizado, onde usar uma bandeira -muitas vezes até ao ver uma Copa do Mundo- é de fascistas... A Espanha foi um país forçado a ser unido, cheio de particularidades e picuinhas entre os vários povos, cheio de nacionalismos em que predomina a divisão representada pela ódio e orgulho espanhol, ou ama-se ou odeia-se a Espanha, onde o galego nacionalista gostaria de ser português, o catalão olha a França com carinho e o País Basco/Vasco (Euskadi) quer formar sua grande pátria.
Sobre o texto, Aramburu é filólogo e traços culturais são vistos em vários de seus textos o que atrapalha e muiito a tradução, por detrás de uma escrita menos formal (e mais difícil para não nativos ou pessoas que não tiveram contato com o espanhol europeu) esconde-se a cultura e a contextualização social de seus personagens, como ocorreu em Pátria, tentei começar pelo meu livro em português mas acabei abandonando e recorrendo ao original para poder sentir nas palavras o que ele buscava passar-nos. Amei a leitura, já sinto um vazio por não acompanhá-los mais como fiz por vários dias e infelizmente ao devorar o livro tive que despedir-me de forma muito rápida!