Janaina 04/09/2022
O início da leitura da obra do Prêmio Nobel da Literatura de 2021 me encheu de expectativas.
Seu primeiro capítulo nos apresenta a Shaaban, um refugiado idoso que tenta iniciar uma nova vida longe de seu país de origem, na Inglaterra, onde sua entrada não é nada facilitada, considerando a má vontade de acolhimento de quem não possa dar sua contribuição para a atividade produtiva do país.
Enquanto narra sua via crúcis migratória, Shaaban (que depois saberemos não se tratar de seu nome verdadeiro) relembra sua história em Zanzibar, na década de 60, quando conheceu Hussein, amigo que conectará sua história à do outro narrador do livro, Latif.
Além de a história ser contada por dois narradores, ela também passeia pelo tempo, nos ajudando a entender a origem e os percalços vividos por cada personagem, três décadas antes da chegada de um deles à Europa, e mostrando as dificuldades impostas ao africano imigrante na terra de seu antigo colonizador.
E, assim como dois são os narradores, dois são os núcleos familiares centrais que protagonizam as tramas narradas na obra, que se iniciam em Zanzibar e encontram a oportunidade de uma ?lavagem de roupa suja? 30 anos depois, na Inglaterra, onde ambos acabaram chegando de forma e em tempo diferentes.
Confesso que a leitura para mim foi bastante arrastada, talvez pela expectativa que criei com a leitura do 1º capítulo. Esperava que a obra concentrasse o foco no papel do refugiado, explorando, além de suas causas, o seu processo de adaptação, com todas as dificuldades que imagino existir.
Mas, embora a obra trate destes pontos, a condição de refugiado não se encontra no eixo central da trama, e sim os aspectos sócio-político-culturais de uma região pouco explorada no seio literário, que revela, no entanto, uma riqueza e uma peculiaridade dignas da atenção que lhe foi dispensada pelo autor, enquanto majestosamente trabalhou na construção de seus personagens.
Não há como negar o valor literário da obra, a habilidade narrativa do autor e a riqueza histórica que nos ajuda a enxergar o continente africano como ele merece, recheado de individualidades que não permitem considerá-lo um bloco único, revestido apenas das características que habitam o imaginário coletivo euro-centrado.
Apesar de não ter amado, achei a experiência extremamente válida.