voandocomlivros 07/03/2023
🔹 "morrer é uma dívida de todos nós."
Eurípides analisa a natureza humana, seus instintos, suas paixões, seus motivos com realismo. Ler as tragédias é como afundar no abismo da alma humana. E por que é importante ler as grandes tragédias gregas, especialmente Eurípides? Porque, em essência, é uma introspecção em nossa própria alma.
Eurípides foi um dos grandes dramaturgos atenienses do século V a.C., considerado por Aristóteles como "o mais trágico dos poetas". De sua extensa e produtiva carreira: um total de 92 peças, só dezenove fora conservadas. E uma delas é um drama satírico: "O Ciclope". A leitura de uma peça satírica mudou minha perspectiva sobre a tragédia grega. Agora sei que as tragédias nunca se destinaram a serem experimentadas isoladamente. As tragédias estão conectadas de maneira íntima. Perceber as ligações é um presente.
Eu nunca deixo de me impressionar quando estou lendo algo que foi escritos há tantos e tantos anos. Mas o que mais me toca ao ler Eurípides é sua proximidade com o teatro contemporâneo, seus personagens são como pessoas reais, seus heróis deixam a morte de lado e se concentram em suas fraquezas e falhas. Eu acredito que são exatamente esses recursos que o transformaram nesse gigante das tragédias gregas.
Essa edição da Editora 34, é o primeiro volume bilíngue de um coleção de seis que formam o Teatro Completo do autor. Por enquanto temos os dois primeiros disponíveis no mercado. A obra vai reunir todas as peças de Eurípides em ordem cronológica. A tradução caprichada é de Jaa Torrano, e esse primeiro volume conta com uma rica introdução que coloca o leitor no contexto histórico, além de expor o conceito de justiça trabalhado por Eurípides, e relacionar o divino com a humanidade.
As peças desse primeiro volume são:
O Ciclope - Inspirado no Canto nove da Odisseia, Eurípides segue basicamente a mesma história. A primeira das duas grandes diferenças entre o Ciclope de Homero e a peça "O Ciclope" de Eurípides é a ação dos homens de Odisseu que acontecem fora do palco. A segunda diferença são os Sátiros que aqui formam o coro e a presença de Sileno que serve como ligação para que Odisseu e o Ciclope Polifemo conversem. O melhor é que isso tudo é feito de maneira cômica.
🔹 "Quem pode compraria morrer de velhice."
Alceste - Admeto sabe que morrerá em breve, mas a morte lhe oferece a chance de viver se ele encontrar alguém para morrer em seu lugar. É nessa hora que Eurípides começa a trabalhar temas polêmicos. Os pais de Admeto, já idosos, não querem salvar o filho tomando seu lugar. Quem se oferece é a esposa de Admeto, Alceste. Mas a peça não é sobre a nobreza dessa esposa ou o quão egoísta e covarde é seu marido para deixá-la morrer (se é que ele tinha escolha, porque tudo sempre seguia a vontade dos deuses). Vários fatos acontecem que deixam o leitor se perguntando como essa família pode sobreviver a tanta calamidade. O silêncio de Alceste no desfecho grita aos nossos ouvidos. Eurípides foi um gênio.
🔹 "... preferiria três vezes
manter o escudo a parir uma só vez."
Medeia - Uma de suas obras mais memoráveis! Medeia é uma personagem única na mitologia grega. Eu amei como Eurípides explora o lado da mulher que é capaz de alcançar o mais sombrio de sua própria natureza para se vingar da traição que recebeu. Medeia é uma vilã autêntica que não apenas se rebela contra Jasão por tê-la usado, mas também faz isso com aquela sociedade opressora que só esperava que ela cumprisse os papéis que foram lhe atribuídos por sua condição de mulher solteira.
🔹 "Não me considerem reles e fraca
nem quieta, mas de outra maneira,
dura com inimigos, boa com amigos.
Assim sendo, a vida é mais gloriosa."
Leiam os clássicos gregos!