Natasmi Cortez 20/05/2024O que acontece no picadeiro depois que as luzes se apagam? Quando os animais voltam às jaulas, e os artistas aos trailers e o público às suas casas, e o palhaço enfim lava o rosto e tira a maquiagem, o que fica para trás? O mesmo apagar de luzes que representa o fim da encenação, pode representar o início da realidade, o reinício da vida.
Onde alguns veem lágrimas, outro veem motivos para fazer sorrir. Um homem não perde sua capacidade de trazer felicidade quando envelhece. Um palhaço ainda é um palhaço, mesmo que tenha 80 anos ao invés de 18.
A obra de Tadeu Rodrigues é um respiro em um mundo repleto de desastres, ódio e angústia. A esperança do porvir se traduz por meio de uma amizade sincera e delicada entre um senhor de 80 anos e um menino. Se a grande diferença de idade os separa, também coloca entre eles um personagem único e necessário, o viver. Esse viver tão relembrado por Inácio e tão desejado por Estevão, une duas vidas em uma trajetória de trocas e carinho.
Inácio que enfrenta as dores da velhice e os julgamentos de uma sociedade classista e etarista, encontra em Estevão um ouvinte atencioso. Estevão, por sua vez, preso no próprio corpo pela doença que o acomete, encontra nas histórias mágicas de Inácio uma aventura possível.
O texto de Tadeu é lindo, poético e até mesmo engraçado. Na voz do porteiro e ex palhaço Inácio, o leitor chora, se emociona e ri. Viver requer um certo jogo de cintura, e é na valsa dos encontros e desencontros que a felicidade aflora, e a dor ensina. Acompanhar a vida de Inácio por meio de suas reminiscências é agridoce. É como chegar ao fim de um livro muito bom, é como se despedir de um personagem querido.
Quando a luz do circo se apagou, Inácio pensou ter chegado ao seu fim. Foi na portaria de um prédio, ao conversar com um menino adoentado, que ele descobriu que a vida ainda pode conter risos, aplausos e bem querer.
Uma história triste, belamente construída, que nos relembra que ainda há esperança no amanhã e no depois.
O desfecho, no entanto, caminha na contramão. Juro por deus, queria que minhas lágrimas voltassem aos olhos. Acho que Inácio não era o único palhaço nessa experiência. Parece que Tadeu tinha um número especial para nos apresentar depois que o espetáculo por fim terminou.