Teoria do Mundo Multipolar

Teoria do Mundo Multipolar Alexander Dugin




Resenhas - Teoria do Mundo Multipolar


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caio.lobo. 12/09/2024

Pelo direito ao conflito
Das obras de Dugin que li até agora esta é a melhor e com mais referências. A teoria do mundo multipolar já começa questionando o sistema vestfaliano clássico ao não reconhecer os Estados-nações isolados como polos soberanos e autossuficientes. Poucos polos teriam real poder, enquanto a maioria dos Estados-nações modernos, em sua grande parte, carecem da capacidade de assegurar sua própria segurança e prosperidade diante de potências hegemônicas, como os EUA. Dependentes de forças externas, esses Estados não podem agir como verdadeiros centros de vontade soberana nos assuntos globais.

Pensar em civilizações, e não em Estados-nações, redefine o conceito de espaço. As fronteiras entre civilizações não são rígidas como as fronteiras nacionais; elas são regiões de sobreposição e mistura cultural. Assim, é necessário desenvolver modelos jurídicos que considerem as especificidades dessas civilizações e suas relações. Um exemplo é a distinção entre "border", uma linha concreta que separa territórios nacionais, e "frontier", uma zona mais fluida entre diferentes espaços.

A diferença fundamental entre a teoria do mundo multipolar e as teorias marxistas ou do sistema-mundo é a rejeição do determinismo histórico. O capitalismo, embora nascido no Ocidente, é visto como uma forma de desenvolvimento circunscrita à civilização ocidental, e sua imposição às sociedades não-ocidentais é uma distorção, gerando um capitalismo superficial e mimético fora de seu contexto original.

A filosofia do mundo multipolar valoriza as "micro-humanidades" e as diferenças entre culturas e civilizações. Ao contrário da globalização, que homogeneíza sociedades, a filosofia multipolar busca preservar e celebrar essas diferenças, não impondo um modelo único de desenvolvimento ou racionalidade.

Nesse arcabouço todo surge a Quarta Teoria Política de Dugin, uma alternativa à modernidade, rejeitando as ideologias do século XX, como o liberalismo, o comunismo e o fascismo. Inspirando-se em Martin Heidegger, Dugin defende que o verdadeiro sujeito político é o Dasein, o "ser-aí", que só pode ser compreendido dentro de sua cultura, história e espaço. Para ele, cada povo tem seu próprio Dasein, e a globalização representa uma ameaça à pluralidade de existências e culturas humanas.

Dugin incorpora as ideias de Halford John Mackinder para definir o ?poder terrestre? como a oposição ao ?poder marítimo? de Alfred Thayer Mahan. Dentro dessa dualidade, a Eurásia, começando no Leste Europeu, representa o poder terrestre, enquanto os EUA e a Europa Ocidental encarnam o poder marítimo. A teoria pan-regional de Karl Haushofer surge como ferramenta à teoria para permitir a convivência em um mundo multipolar. Para desafiar os EUA, a Rússia precisa expandir sua influência além do Heartland e romper o Rimland que a OTAN constrói para isolá-la, restaurando assim a influência perdida com a queda da União Soviética. O controle do Rimland, conforme Nicholas J. Spykman, é vital para dominar a Eurásia. Com o colapso soviético, a influência russa diminuiu, ao mesmo tempo em que a OTAN se expandiu. A guerra na Ucrânia representa o esforço da Rússia para quebrar esse cinturão de isolamento imposto pela OTAN, além de ser um conflito indireto com a Aliança, ou seja, a batalha entre o Eurasianismo e o Atlântico Norte, refletindo a luta entre o poder terrestre e o marítimo.

A síntese dessa disputa, que Dugin absorve de Carl Schmitt, será a essência para a geopolítica neo-eurasiana que ele propõe. Mahan observa o domínio do comércio e da guerra pelo poder marítimo, que é facilitado pela facilidade de acesso global aos oceanos, argumentando que países com boas costas marítimas ou acesso ao mar prosperam através do comércio naval, em vez de se engajarem em conflitos políticos internos. Os EUA, com duas costas oceânicas e grande investimento naval, se tornaram a potência marítima por excelência. O poder marítimo, que Dugin chama de Atlantismo, se fundamenta no fluxo econômico, com o mar sendo o meio mais eficiente de transporte global, como Mahan destacou.

Mackinder também traça a rivalidade histórica entre mobilidade terrestre e marítima. Enquanto civilizações fluviais se baseavam em rios como o Nilo, Eufrates e Yangtzé, a navegação mediterrânea sustentava o desenvolvimento grego e romano. Com a Primeira Guerra Mundial, Mackinder advertiu sobre o risco que a Alemanha representava se ela tivesse vencido: com vastas terras e acesso ao mar, ela teria sido uma potência terrestre e marítima, ameaçando o equilíbrio global. Mackinder enfatiza que a Rússia, como rival terrestre da Inglaterra, expandiu seu poder pelo continente, estabelecendo um confronto direto com as potências marítimas europeias.

O conceito de Rimland de Nicholas J. Spykman, sendo uma zona costeira ao redor do Heartland, é importante para a teoria de Dugin, pois representa o campo de batalha entre terra e mar, além de ser a zona de conflito estratégico entre o poder terrestre russo e as potências marítimas ocidentais. Dugin vê a Rússia como o núcleo do Heartland e, assim, o centro de uma civilização imperial ortodoxa. Ele defende que a Rússia é essencial para um projeto multipolar, unindo forças contra o poder dominante dos EUA e do Ocidente.

O mundo multipolar, segundo Dugin, se basearia em uma expansão da ideia de pan-regiões de Haushofer, com regiões definidas por tipologias geográficas e econômicas. No entanto, Dugin acrescenta elementos culturais e civilizacionais à teoria de Haushofer, incorporando as divisões civilizacionais de Huntington. Essas ideias serão visualmente representadas no mapa multipolar de Dugin, que sintetiza as pan-regiões de Haushofer e as civilizações de Huntington.

Porém, é em Carl Schmitt que Dugin encontra sua base para distinguir Talassocracia (poder marítimo) e Telurocracia (poder terrestre). Schmitt argumenta que o mar está fora de qualquer ordem estatal, sendo um espaço livre, enquanto a terra é definida por fronteiras claras e dominação territorial. As potências terrestres são mais sedentárias e expansivas internamente, enquanto as potências marítimas são voltadas para o comércio e expansão além-mar. Schmitt usa a metáfora bíblica dos monstros Leviatã e Behemoth para ilustrar essa rivalidade, que também aparece na interpretação de Dugin.

Dugin usa essas metáforas para descrever a luta entre EUA e Rússia, com Leviatã representando os Estados marítimos, como EUA e Inglaterra, e Behemoth simbolizando os Estados terrestres, como Rússia e Alemanha. A luta entre essas potências geopolíticas é, para Dugin, uma batalha entre dois modos de existência, um que representa a ordem e o fluxo econômico (Leviatã), e outro que representa a resistência e a tradição territorial (Behemoth). É uma guerra eterna entre o uno e o múltiplo.
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