Aline 24/10/2023Quando a história do seu Jaú vira a história do BrasilO livro ?O que é meu? foi indicação de uma amiga quando lhe mandei uma mensagem perguntando qual era o último livro muito bom que ela havia lido. Era esse.
E eu concordo.
Em ?O que é meu?, José Bortoluci encarna uma versão tupiniquim da escritora francesa Annie Ernaux, conhecida por escrever obras literárias que são pessoais e históricas ao mesmo tempo, nas quais entrelaça a história de sua vida e de sua família à História da França.
Aqui, Bortoluci faz algo parecido: narra a vida do pai caminhoneiro e junto das viagens do pai, vamos conhecendo também fatos históricos do Brasil dos quais ele participou levando e trazendo cargas: a construção da Transamazônica e de Brasília, o crescimento da agropecuária, o início do desmatamento da Amazônia, a ditadura militar, entre tantos outros acontecimentos.
A escrita do livro começou durante a pandemia, quando Bortoluci passou a recolher os relatos do pai que, naquela época, vivia também um desastre pessoal: um diagnóstico de câncer no intestino.
Entre viagens pelas estradas do Brasil, relatos pandêmicos e idas aos hospitais, conhecemos um pouco mais do seu Jaú e também do Brasil que ele, como caminhoneiro, representa. Um Brasil que é tão diferente do Brasil do filho - e do meu.
Com uma passagem do livro me conectei bastante, foi quando José Bortoluci falou sobre os dilemas que ele - eu e tantos outros - viveu ao ser a primeira geração da família a entrar em uma universidade e a ter acesso à ascensão social e educacional. Sobre isso, destaco esse trecho:
?A história dos pais e filhos que tiveram trajetórias educacionais radicalmente distintas é sempre atravessada de silêncios e esquivas, já que partes significativas do nosso cotidiano, nosso trabalho, nossa leituras, nossos gostos e nossos gastos são dificilmente traduzíveis para o universo de nossos pais.? (p. 121)