Sara 26/08/2023
Nosso mundo Kafkaniano
"Mas e se toda a paz, toda a prosperidade, toda a satisfação acabassem de um modo assustador?"
Sempre quis ler Kafka, mas fui adiando, colocando outras leituras à frente.
Agora, depois de finalizar essa obra, percebo que não poderia ter escolhido um momento melhor para ler. Acredito que alguns livros marcam fases da nossa vida. E "A Metamorfose" definitivamente é um deles.
A narrativa absurda, em que o protagonista se transforma em um inseto, além de criticar nossa sociedade, nos leva a pensar, de forma melancólica, como facilmente somos capazes de abandonar nossa condição de ser humano para nos transformar em outra coisa.
Gregor Sansa sofre uma metamorfose, mas sua família também, ainda que completamente diferente.
Gregor só vivia para o trabalho e tinha satisfação de ser o provedor da família. Ele era supostamente amado e respeitado por isso. Até que sua condição muda inesperadamente, da noite para o dia.
Acompanhar o desespero do personagem para tentar sobreviver no meio social a que estava tão acostunado não poderia ser mais desesperador e identificável.
Sem emprego, sem família, sem amigos, completamente perdido em seus pensamentos e indagações, ele ainda tem fé naqueles que ama.
Praticamente ignorado, contando apenas com o suficiente para existir, ele gradualmente vai deixando de ser humano e passa a ser descaracterizado (a comparação da situação do personagem com a mudança no quarto é genial!)
Mesmo revoltado com todos ao seu redor, afinal, ele é tratado como um inseto asqueroso, apenas tolerado, Gregor (nas últimas) ainda pensa na família e no que vai ser melhor para eles.
Kafka não poderia ter sido mais direto sobre nossos medos no mundo moderno/contemporâneo. A incompreensão, solidão e a nossa condição de "substituíveis" nunca foram tão cruelmente reais.