Yejjjz53 29/05/2024
Para alguém
Um misto de tristeza e orgulho
Triste por todos os pontos sensíveis que esta leitura cutucou, pontos que eu achava que tinha superado, pontos que eu fingi que não existiram. Orgulho por tentar, dia após dia.
Ao contrário da Duda, a protagonista, eu não segui. Mas, assim como ela, minha visão sobre mim mesme é foi turva, por muitos anos. Eu cogitei. Sabia que não era capaz de parar de comer por conta da compulsão alimentar, mas eu cogitei, conscientemente, em desenvolver bulimia nervosa. Toda vez que penso nisso meu estômago se revira.
Parece idiota falar isso em voz alta, ou em carta aberta, como alguém cogita desenvolver um transtorno?
A verdade é que eu já tinha um, mas achava que era capaz de controlar, eu conseguiria parar assim que perdesse peso o suficiente.
O que me impediu de continuar nessa loucura foi o medo. Medo de vomitar. Medo de ficar >ainda mais< doente. As coisas já estavam ruins, como é que eu poderia fazer a escolha de piorar ainda mais?
Então eu fugi, fugi da balança, dos espelhos, dos números. Eu nunca pesquisei sobre as calorias ou tentei entendê-las, tudo por medo de não saber o que eu poderia fazer com aquela informação. Não aguentava mais sentir culpa, não queria ser ainda mais obcecade.
E, talvez, isso tenha me salvado. O meu outro transtorno me impediu de entrar em mais um.
Tenho compulsão alimentar desde que me entendo por gente, criança introvertida, sem amigos, sem saber como agir, sem saber o que falar, como falar, como me comportar, então eu comia. Com a boca cheia, não tinha por que falar, a ação era só uma e eu gostava de doces, eles sempre me confortaram. Nas festinhas, enquanto as outras crianças brincavam, eu comia. Nos almoços em família, enquanto todos conversavam, eu comia. Enquanto todos viviam outros momentos, eu comia. Até passar mal.
Até que começaram os comentários. Os apelidos.
As crianças me chamavam de "buraco negro".
Minha familia sempre enfatizou como eu era enorme. Como eu comia sem parar, como sempre estava comendo.
"Isso não pode ser fome"
"Você vai explodir se continuar desse jeito"
"Daqui a pouco vai estar que nem a Dona Redonda"
"Nossa como seus seios são enormes"
"Cara de trakinas"
Doía, cada mísero comentário doía porque nunca controlei meu apetite, nunca nem percebi que comia tanto, quando eu me dava conta já estava mastigando algo. E aí surgiu veio a culpa. Culpa por comer demais, culpa por engordar, culpa por não ser bonita, culpa por não perceber que estavs comendo, culpa por sentir fome, culpa por terminar o dia no banheiro, morrendo de dor, por não ter conseguido parar.
Essa foi a minha vida, por toda infância, por toda puberdade e pela metade da adolescência. E, em todos esses momentos, eu COGITEI botar tudo pra fora, mas eu ficava tão nervosa que o dedo nunca atingiu a garganta, tudo se fechava antes que eu pudesse fazer algo. Então eu parava. E me odiava por ter tentado. Me xingava até que pudesse esquecer daquele momento. Me xingava por ter comido tudo que vi pela frente e me sentia um lixo quando comentavam do meu peso.
O tratamento pra ansiedade e depressão começou aos 14. Pula de psiquiatra em psiquiatra. Pula de psicólogo em psicólogo. Descobre que tinha um nome para o que deu origem a todos esses pensamentos: fobia social.
Terapia. Meses. Anos.
A ansiedade tá controlada, à base de remédios. É claro que aparência não foi a única coisa que me levou pro fundo do poço, os outros pontos da minha vida se sobressaíram nesse quesito. Tinha coisas maiores do que a balança, mas ela estava lá. Ela ainda está.
Ainda sinto medo, angústia e ansiedade toda vez que preciso me pesar. Continuo evitando. Tento não pensar no número como um digito para calcular IMC. Tento lembrar que IMC não é um índice de saúde e há anos está sendo questionado na medicina. Saúde não é linear. Tento ignorar todos os comentários sobre meu peso, seja os que dizem que emagreci, seja os que dizem que engordei, nenhum deles realmente me ajuda. Eu ainda não estou saudável.
Ler os pensamentos da Duda após tantos anos me esquecendo disso teve um impacto muito forte em mim, me fez revisitar o passado traumático. Podia ser eu. E se eu tivesse cedido?
Me perguntei isso algumas vezes durante a leitura. O transtorno vem antes de um cabo de escova na goela, vem dos pensamentos acerca de si mesmo, o vômito é consequência. As horas sem comer também são.
Posso olhar pra trás e sentir o mínimo de orgulho sobre mim, algumas das vozes que tanto me atormetaram se calaram. Posso olhar com o mínimo de carinho pra mim mesme, encarar o espelho sem ódio. Às vezes frustração, raivinha, mas não ódio. Não mais.
Não é uma tarefa simples, são sete anos tentando, foram sete anos até conseguir encarar meu próprio reflexo. Se curar nunca é o caminho mais fácil. Mas um dia chega.
Não posso dizer que estou curada. Mas estou melhorando. Eu estou tentando. Dia após dia. Desejo sorte a todes vocês. Desejo sorte a mim.
Com amor,
Lia.