Lysiane.Correa 09/01/2024
2/2024
O céu para os bastardos, Lilia Guerra
Todavia, 2023
176 páginas
AMORA LIVROS | JANEIRO
@amoralivros_brasil
Que livraço que chegou em minhas mãos! Me arrependo de não o ter comprado assim que a Todavia o lançou.
Dessa vez vou começar meus comentários a partir da autora: Lilia Guerra é auxiliar de enfermagem no SUS (Sistema Único de Saúde). Ela própria é uma mulher negra, moradora de um conjunto habitacional na Cidade de Tiradentes. Sendo assim, o termo "escrevivência", cunhado pela grandiosa Conceição Evaristo, cabe muito bem na descrição de "O céu para os bastardos" ? uma vez que Lilia narra suas vivências, memórias e conta a história de pessoas à sua volta.
Em uma entrevista para a revista Quatro Cinco Um, Lilia disse:
"Nas orelhas dos livros leio que as pessoas são especialistas, mestres, doutoras? Eu tenho um ensino médio técnico. Minha literatura é essa que você está vendo. Para mulher, já é diferente escrever, porque acumulamos mais funções. Num primeiro momento, as pessoas podem achar interessante, mas, depois, podem pensar que, sei lá, não é tão profundo."
E citando Clarice Lispector, eu digo: "que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho." O trabalho de Lilia foi viver em um Brasil desigual e ter a CORAGEM de expor essa população tão subalterna aos olhos da pseudo-elite nacional.
É de obras profundamente simples que necessitamos para dialogar com o maior número de pessoas possível. É nesses livros densos, mas deliciosos de ler, que se atinge mais leitores.
Vamos ao enredo, então.
A descrição que me foi dada desse livro foi de que "configura uma crônica da quebrada, a Macondo periférica". Eu concordo com essa descrição!
O cenário aqui é "Fim-do-mundo" e a narradora é Sá Narinha, uma empregada doméstica. E, é claro, retalho da vivência de familiares, vizinhos e amigos. Um emaranhado de narrativas que traduz, na ficção, a realidade da periferia brasileira.
Eu diria que o fio condutor desse romance seja o desenrolar na história de Júlio César e Regina. Apesar da trama trabalhar ciúme, violência doméstica e feminicídio, percebe-se que o foco maior ainda se detém nos sentimentos da mãe (Sá Narinha), que já não desenvolveu o amor maternal pela criança e se vê em meio aos caminhos que o filho decidiu seguir.
Esse livro deve ser lido pelos leitores de Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus e muitas outras vozes negras. Mas, primordialmente, deve ser lido pelas pessoas que necessitam sair de sua bolha social e compreender a sociedade brasileira em sentido de totalidade.
"A gente já não tem nome, quase nunca. É a moça do café a tia da limpeza. a moça da merenda. Quero que as pessoas tenham nome, rosto,
história."
LILIA GUERRA, EM ENTREVISTA PARA A FOLHA DE SÃO PAULO
"O céu para os bastardos" é uma necessidade nas estantes nacionais.