Paulo 26/12/2023
Para quem não conhece muito sobre a história dos contos de fadas, Madame de Beaumont tem uma boa parcela de influência no conteúdo que conhecemos. Uma grande escritora cuja principal história se tornou uma das mais atemporais: A Bela e a Fera. A versão condensada dessa história é a que originou a animação da Disney e tantas outras adaptações. Por isso, é legal conhecer outras de suas histórias como O Príncipe Querido, para conhecermos quais as suas preocupações, como ela escreve e como se relaciona com o gênero fantástica. Essa edição, que saiu pela Sociedade das Relíquias Literárias, tem a tradução de Bruno Anselmi Matangrano que deixou o texto redondinho para que só tivéssemos o trabalho de apreciá-lo.
Na narrativa, o rei é um homem justo e bondoso com o seu povo. Ele desenvolveu uma amizade com a fada Cândida, que lhe prometeu abençoar seu filho, o Príncipe Querido. O rei, sábio como é, pediu a ela que desse bons conselhos a seu filho. Não lhe interessava beleza ou riqueza, coisas que são passageiras, mas a sabedoria para poder governar o reino com justeza. Após sua morte, a fada cumpre sua promessa e entrega um anel ao jovem, avisando a ele que a cada má ação, o anel irá espetá-lo. Só que Querido foi criado por uma ama que lhe mimou e fez todas as suas vontades. Isso fez com que ele se tornasse uma pessoa ruim e de gênio difícil. Obviamente que ele não obedece aos pedidos de Cândida e começa a tomar decisões ruins. Para piorar, ele tem ao seu redor péssimos amigos que o levam a fazer coisas que são totalmente reprováveis. O que acontecerá a Querido quando Cândida se tornar sua maior inimiga?
Essa é uma história cautelar. Uma narrativa de contos de fadas em que a história serve para passar alguma lição de moral ou passar algum tipo de conjunto de valores através de suas linhas. Nesse caso aqui, o que se coloca é o caráter que um líder deve possuir para poder governar o seu povo. O que Cândida reprova são ações bem simples como chutar um cachorro, maltratar aqueles que são mais humildes, desprezar os demais e tomar ações covardes. Cândida avisa a ele que toda ação tem sua consequência e que ele deve se afastar de pessoas que lhe incitam más ações. O seu irmão mais novo e os amigos dele são pessoas estúpidas e tolas que o incentivam para tirar proveito do que vem junto com essas más ações. Na visão de Querido, ele está certo porque é o rei daquele povo agora. Como rei ele pode fazer qualquer coisa.
Vejam que interessante é esse ponto posto por Beaumont: um rei não pode fazer tudo o que deseja. O conto é de 1756, algumas décadas antes da Revolução Francesa. No meio dessa história, que era um conto de fadas, e com uma distribuição bem seleta, Beaumont coloca ideias claramente iluministas e revolucionárias para a época. Não esqueçamos que a França foi o lugar onde o absolutismo monárquico atingiu o seu ápice. Na visão absolutista, o rei era infalível e inquestionável. Estamos diante de um conto que destaca as posturas ruins de um rei e cuja fada, um ser fantástico e miraculoso, aponta que um rei não é infalível e nem inquestionável. E que cabe a ela e ao povo corrigirem as ações do rei. Tem um momento onde os aliados de Querido são presos que nada mais é do que um movimento revolucionário.
Ou seja, analisando a fundo esse conto, vamos ver o contexto no qual ele se insere e de que maneiras ele pode ser interpretado a luz de algo mais macro. Podemos analisar apenas pelo texto em si, mas é preciso sempre contextualizá-lo, perceber em que momento histórico ele se insere e o que a autora insinua nas entrelinhas. Quero parabenizar a editora Wish por trazer mais uma história interessante e que nos ajuda a pensar o passado a partir daquilo que foi produzido na época.
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