Cássio Cipriano 25/04/2024Páginas e mais páginas de pura potência.Entre Teerã, no Irã, e Los Angeles, nos EUA, este livro arrebatador sobre trauma intergeracional e amor nos apresenta Moud, Saeed e Bobby, três personagens da mesma família, que dividem a narração em primeira pessoa, intercalando-a em três épocas diferentes: 2019, 1978 e 1939. "A luz brilha somente agora" é uma ode aos frágeis laços familiares, aos segredos escondidos pelo tempo e a todos os momentos lindos que formam quem somos.
Foi o meu segundo contato com a escrita do Abdi Nazemian, que já havia me conquistado em "Tipo uma história de amor", e apesar de serem livros bem diferentes, têm algo em comum: celebram o poder de uma comunidade queer, refletem relações familiares complexas e reconhecem legados. Em um mergulho nas suas raízes iranianas, Abdi nos mostra em "A luz brilha somente agora" os conflitos geracionais entre pai, filho e neto, e é interessante ver como três indivíduos completamente diferentes, ligados pelos laços sanguíneos, lidam com implicações das diferentes épocas em que cresceram, mas em conflitos que se entrelaçam e, no avançar das páginas, entendemos como as questões de um acabaram afetando ao outro, entre conflitos de identidade, sexualidade, repressão política, imigração, abuso psicológico, esvaziamente de pautas importantes... Enfim, são diversas reflexões que o autor consegue trazer nas entrelinhas, o que faz desta uma história riquíssima e potente.
Como não li a sinopse, comecei a ler sem saber da relação entre os três protagonistas, então para mim foi uma surpresa descobrir que eles são filho, pai e avô. De início, senti que as narrativas estavam bem diferentes, quase como se fossem três livros em um só, mas com o avançar das páginas foi bem interessante perceber como a trajetória de filho, pai e avô estão interligadas, mesmo que eles não tenham tido oportunidade de conviver sempre tão próximos um do outro. No fim, o livro me transmitiu sensações parecidas com "Tipo uma história de amor", só que de formas diferentes. Ambos refletem sobre legado, só que um faz isso através do elo com a arte e a amizade, e o outro através de laços familiares e origens.
É interessante como "A luz brilha somente agora" retrata diferentes tipos de ativismo, em épocas e contextos distintos. Abdi fez um contraponto com os personagens Shane, namorado do Moud, e os personagens Saeed, Bobby, Ava e Siamak. Para mim, o Shane representa jovens da Geração Z e até alguns Millenials que vivem num recorte de muitos privilégios, são pessoas que cresceram sendo mais conscientes sobre muitas questões sociais, mas acabam fazendo um ativismo de internet, esvaziando pautas e querendo fazer revolução no comodismo do seu sofá, muitas vezes agindo não por quere provocar mudanças, muito mais para não nutrir um sentimento de culpa em relação às mazelas do mundo. Enquanto o Saeed, o Bobby, a Ava e o Siamak não têm essa opção, eles precisam criar mecanismos para lutar pelo que acreditam, mas também para sobreviver, então ao mesmo tempo que eles precisam fazer coisas como sair para protestar nas ruas, eles também precisam criar uma rede de apoio às escondidas, Bobby utiliza suas aulas de música como um meio para se aproximar dos jovens queer iranianos e trazê-los para essa rede de apoio e acolhimento.
A história também me surpreendeu pelas cenas hot presentes nas partes do Bobby, que inclusive é o meu personagem preferido, e foram as partes que eu mais gostei de ler. Abdi escreveu cenas hot do jeito que eu gosto, de forma mais sutil e menos explícita. Outra coisa que eu gostei bastante na parte do Bobby foi como ela evidencia o lado sombrio da antiga Hollywood, mostrando os abusos que as estrelas como sofriam, e a maioria das pessoas olha sempre com muito glamour para essa época.
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