Manual de Como Enterrar o Corpo do Ex

Manual de Como Enterrar o Corpo do Ex Weinne Neves




Resenhas - Manual de Como Enterrar o Corpo do Ex


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Luigi - Acrópole Revisitada 09/10/2023

O primeiro livro do escritor goiano Weinne Neves alia duas pontas geralmente complexas na produção poética: contestar parte do estabelecido enquanto bebe de outras referências clássicas para criar seu próprio caminho na arte do verso. “Manual de como enterrar o corpo do ex” consegue, em boa parte do livro, manter essa qualidade caindo apenas às vezes em repetições, clichês e jargões, tanto próprios quanto emprestados. Mas é um bom ponto de partida poético em outra boa aposta da Mondru, que continua fazendo belas edições.

No livro publicado em 2023, o autor traz Romeu, uma figura clássica do amor que é levado às últimas consequências. Mas aqui sua figura, recuperada pelo poeta, é desconstruída por que “Julie-ta / não se preocupe / Esta não é a primeira 🤬 #$%!& / pela qual esse Romeu / morreu”, mostrando que “Julieta” não é a única, nem provavelmente é a última a conquistar o amor do rapaz com síndrome de dom-juanismo – que aqui está muito mais ligada ao físico do que ao espiritual.

Por vezes percebe-se uma pequena ligação ao romantismo mal do século, cheio de referências à morte, noite, túmulos e certa platonização feminina. Em outros, o endeusamento desce das esferas divinas para o carnal, aproximando sua poesia de “malditos” como Bukowski, referência cara para poetas que se consideram fora do main stream e que gostam de caminhar ao lado dos “marginais”. O livro também conta com sucessivas menções a bebidas e cigarro, contribuindo com a construção dessa áurea meio contracultural de seus textos.

A pulsão do sexo também está presente. O eu-lírico faz diversas alusões a boquetes, cavalgadas e outros atos sexuais com essa ex-parceira que deixou marcas indeléveis em seu espírito e corpo. Em determinados momentos, amor e sexo parecem inseparáveis, mas são ambos tóxicos, tanto para quem ama quanto para a pessoa amada.

Outras boas “intrusões” em sua poesia são a cultura pop e as redes sociais. Não faltam menções a músicas e, principalmente, ao cinema como Shrek, Superman, Titanic, Piratas do Caribe, entre outros. Notificações e referências a Tinder, WhatsApp e outros aplicativos não são raras, mostrando que o poeta não ignora o momento histórico em que produz suas obras. Insisto nisso porque há muitos que preferem esquecer que estão nesse universo e não mencionam seus narradores, personagens e eu-líricos nesse contexto, como se eles, mesmo não gostando das novas tecnologias, não fizessem parte desse mundo. O mesmo se pode dizer para as questões de depressão, ansiedade e remédios, que também aparecem nesse livro.

Quanto à estrutura, os poemas tem, em geral, o tamanho de duas ou três laudas, contribuindo para uma certa uniformidade estética. As rimas acontecem às vezes, mas sem uma necessidade e obrigação de acontecerem o tempo todo – o que é um alívio. Neves tem potencialidade para metáforas bastante inventivas em certos momentos, mas também cai, às vezes, no enquadramento sessão da tarde: “Rachel embarca naquele avião / me deixando / com o coração na mão”.

A voz de Neves nos mostra que amar pode ser mesmo patético às vezes. Mas quem não foi alguma vez patético na vida – ou não quis ser – por um amor que destrua mesmo qualquer lógica, que nos tire dessa normalidade besta, dessas rotinas massacrantes e responsabilidades de um status quo esmagador? Se as drogas tiverem, ou ainda têm, esse papel “desviante”, o amor/sexo também pode ter. É essa mensagem que parece pulsar no livro, com um eu-lírico que precisa encarar o normal pela ausência do ser amado, um normal absolutamente impossível de ser encarado de frente.

A virada de chave – ou mudança de voz –, no epílogo, corre por esse caminho. Melhor ser servido em uma mesa à la Hannibal, deixar-se consumir antropofagicamente de uma vez. Ou ser um objeto de um ritual satânico, mas divinizado igualmente.

Embora ocorra alguns exageros, repetições e quedas em armadilhas poéticas, Manual de como enterrar o corpo do ex passa bem, e o coração na capa parece ainda pulsar.
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Renan Alves 25/05/2024

Ultra-pop-romantismo
E se o ultrarromantismo fosse uma invenção contemporânea? É provável que Weinne Neves se sentiria bastante à vontade com a sua voz literária, sem o peso do arrependimento que pendula em seus versos.

Aqui trocamos o absinto nas tavernas pela Ipa no bar da esquina. Trocamos também as cartas carregadas de sentimentalismo pelo deslizar frenético dos dedos nas redes sociais. Mudanças consideráveis, sim. Mas por mais que os tempos sejam outros, o sentimento perdura, enaltecendo o amor como esse herói de eterna vilania.

O livro é um diálogo de duas vozes machucadas e, ao mesmo tempo, viciadas nessas dores. São poemas de tônica confessional que mesclam a liberdade da palavra com a libertinagem do verbo.

Uma obra corajosa, registro. Não pelo uso de um ou outro termo que possa incomodar o leitor, mas por se utilizar de um tom autobiográfico que humaniza por demais o eu-lírico. E é justamente nessa complexa dissociação entre ficção e realidade que Weinne brilha. Ou melhor, sangra.
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