Juju 11/01/2024
Evolução
Tal como sua irmã, Três Rios, a cidade de Terracota é um imã para desgraças. Seus habitantes já enfrentaram todos os tipos de acontecimentos estranhos e anti-naturais que foram responsáveis pela grande parcela de mortes e sofrimento naquele lugar amaldiçoado. O acontecimento mais recente envolve o garoto Arthur Frias e a radialista Júlia Sardinha, os únicos sobreviventes do curioso, violento e inexplicável incidente na mina de quartzo. E também Thierry Custódio cuja doença milagrosamente se curou após ingerir uma tal plantinha de formato espiralado, outrora abundante na fazenda do velho Gideão. Mas como toda forma de vida que se preze, essa coisa - seja lá o que for - necessita se reinventar, evoluir e busca se reproduzir para que seu ciclo continue. O mal que se conhecia em Terra Cota, agora possui novas ramificações e após anos adormecido, apenas aguardando o momento certo, finalmente concluiu que é chegada a hora de se revelar. A humanidade sempre julgou estar um passo à frente, no entanto, os eventos que se desenrolam na cidade servem para ensinar a todos uma lição que por anos ignoraram. Para além do ingênuo e egoístico olhar humano, de nossa limitada capacidade intelectual, existem outros seres. Seres mais evoluídos, seres mais complexos e geneticamente modificados que podem assumir formas, cores e aspectos diferentes. Não há limites, tampouco barreiras para seu alcance ou compreensão. E ao tentarem se fundir ao mundo humano, estes mesmos seres farão o que for necessário para sobreviver, ainda que para isso precisem inflingir grande martírio ao seu hospedeiro. Assim é a vida e a vida tem de continuar.
Cesar Bravo retornou ao final de 2023 com a continuação de sua obra 1618 que expande o multifacetado universo de Terra Cota, uma cidadezinha fictícia no noroeste paulista. Para compreender Amplificador é necessário ter lido o livro antecessor (1618), uma vez que como o próprio autor gosta de dizer: "tudo está conectado". Portanto, Amplificador resgata personagens já conhecidos cujos arcos serão desenvolvidos em mais detalhes e também faz alusão à outras obras do autor como, por exemplo, Ultra Carnem. A cidade de Três Rios também é constantemente citada e alguns eventos se correlacionam. Ou seja, para ter uma experiência realmente completa eu recomendaria ler todos os livros do "BravoVerso" desde o comecinho e na sequência correta.
No que diz respeito à trama, ao contrário de 1618 que segue o estilo narrativo linear, essa obra é estruturada no formato de contos. São 22 contos ao total e o interessante é que tal qual um aparelho que amplifica, os contos possuem níveis. Eles começam mais leves, menos complexos e vão subindo de intensidade até atingirem um patamar realmente brutal e de fundir a sua mente. Em seus contos, Cesar Bravo brinca com o conceito de seres extraterrestres que desejam a princípio coexistir com os seres humanos, assim, eles se infiltram e espalham o seu rastro de sujeira, podridão e colapso por toda a cidade de Terra Cota. Quando isso não é mais o suficiente, as criaturas que possuem uma consciência superior, se erguem como uma espécie de deus incompreendido para assumir um papel ativo como agentes da criação em um novo mundo. Aqueles que são perspicazes o suficiente para perceber tal mudança e aceitam a inevitabilidade do fato, ofertam tudo o que tem, até mesmo pedaços de si, torcendo para que seu sacrifício e sofrimento os eleve a um nível semelhante, próximo, digno. O seu próprio conceito de "nirvana". Todo horror é como um câncer. Criaturas nojentas, mutantes, híbridos mecanizados, frutos de uma evolução. Mas, afinal, como também diria Cesar Bravo: "o câncer é o impulso da evolução de muitas espécies". Lembra bastante aquele livro que se tornou um filme bem famoso, inclusive, possui várias versões: Invasores de Corpos.
Mas, é claro, que perspicaz como só ele é, o autor aproveita para deixar boas mensagens que podem ser extraídas e reinterpretadas, assim elas fazem muito sentido quando aplicadas à nossa realidade atual. Críticas afiadas e reflexões inteligentes que permeiam assuntos variados como a busca constante pela beleza/estética, o negacionismo, política, corrupção, teorias da conspiração, atiradores escolares, cyberbullying, internet, suicídio, a indústria farmacêutica, entre outros. Ao final fica bastante evidente a comparação estabelecida com os horríveis fatos que vivenciamos e com os quais pouco nos importamos. Parecemos anestesiados, embotados e apáticos mediante a todo o sofrimento e caos que experienciamos dia após dia. Nos noticiários, nas redes sociais, na televisão apenas tragédias. E soa como sonhar acordado, algo distante e inacreditável. Além da compreensão. Na verdade, é mais real do que imaginamos e está mais perto do que nunca. Mas, afinal, a vida continua.
E para o nosso deleite, todo o horror de Terra Cota ainda não chegou ao fim. Vamos aguardar pelo próximo lançamento que nos mostrará o que vem a seguir (Cesar Bravo já está escrevendo nesse exato momento um novo livro). Amplificador conta ainda com as ilustrações belíssimas de Jaroslaw Pawlak, um designer que ficou mais de uma década afastado das telas, para então retornar com uma série de ilustrações sombrias que consolidaram sua carreira.