spoiler visualizarcammealves 26/11/2023
Para compreender de novas formas a estrutura social-cultural
A frase que marca o título e permeia por todo o livro aparece sempre carregada de muita força, cheia de profundo desejo, esperança, ancestralidade e liberdade. Marca o que todos mais ansiavam e, ao mesmo tempo, temiam. Tanto pela expectativa de uma vida melhor, como pela crueldade da única realidade que conheciam: seria mais do mesmo.
Os personagens são marcantes, demonstrando, cada qual a sua maneira, a força que possuem.
Uma coisa que gostei muito no livro é que o autor traz para a história um valor significativo às palavras. Com as definições de Sequestrados e Ladrões, com as histórias que usam como fonte de esperança, com as palavras sussurradas ao nascimento que são fonte de força, com as palavras que precedem a imaginação incitada pela afirmação ?em algum lugar lá fora?. Em diversos momentos é possível perceber como as palavras salvam.
E paralelamente mostra uma personagem que escolheu não mais falar, guardando para si as palavras que nunca poderia passar ao filho arrancado de seu seio antes mesmo de entender a dinâmica da vida na qual nasceu. A mulher que escolhe emudecer-se luta silenciosamente proporcionando uma arma eficaz contra os Ladrões: envenena pacientemente os biscoitos mais desejados por toda a região.
O respeito pelos ancestrais é outra coisa que admirei na leitura. Faz arrepiar perceber o quanto carregamos conosco aqueles que vieram antes de nós. O autor mostra isso de maneira singela, para Cato de forma direta e consciente, pois estava aberto para isso; para Willian de forma mais sútil e velada, deixando para relevar apenas quando ele estivesse pronto para aceitar o cuidado dos seus.
Tudo no livro é um manifesto contra o horror da escravidão. Contra o horror da crença branca de ser a raça superior. Ao mesmo tempo em que da foco exatamente ao que os Sequestrados podiam conseguir se se permitissem sonhar com o lugar lá fora; a liberdade.
É daqueles livros que nos coloca em desconforto, prende a respiração, chega a causar dor física, porque tem uma narrativa envolvente e precisa.
Além disso, mostra a realidade de vidas vividas antes de nós que podem nos ajudar ver novas formas de compreender ?não apenas as engrenagens da máquina colonial, mas principalmente suas feridas que persistem nas relações sociais, culturais, políticas e afetivas?, como bem pontuou Micheliny Verunschk.