Danilo Andrade 25/03/2024Entrelaçamento quânticoImagine um futuro onde mega corporações infundiram sua tecnologia e poderio publicitário em todos os aspectos da vida humana. Fertilizações in vitro customizáveis por meio de engenharia genética, implantes neurais tornam-se as novas vitrines com uma miríade de estímulos sensoriais na busca de potenciais consumidores. As desigualdades sociais são tão alarmantes que dutos espaciais são erigidos rumo às cúpulas que sustentam atmosferas artificiais, com seus próprios sóis e satélites. Os embaixadores desses impérios artificiais não se limitam aos seus atributos fenotípicos, pois podem descartar seus corpos a qualquer momento, transferindo sua consciência para outra pele qualquer, enquanto o gado humano reside em um fosso profundo de trevas, superaquecimento, doenças e desalento, entre as ruínas deixadas pelos próprios detentores do tal "progresso".
Além disso, com o degelo das calotas polares, um vírus neurotrópico acomete grande parte da população mundial, causando a chamada doença da estafa. Assim, começamos a acompanhar a história de um jornalista independente chamado Vincent, que não mede esforços para conseguir engajamento nas mídias globais, reportando os acontecimentos de uma guerra que se arrasta por vários anos entre duas corporações que desenvolvem IA's com fins bélicos. Até que, em uma de suas incursões, Vincent sobrevive ao chamado "Incidente de Taipei", evento que pôs fim ao conflito, por meio de uma inteligência artificial assassina capaz de invadir não somente redes computacionais, mas também alvos orgânicos desconectados, aniquilando as funções neurais de qualquer ente orgânico que esteja pela frente. Na busca de respostas de como se desenrolou tal fato, Vincent, como único sobrevivente, é objeto de estudos para diagnóstico de sua condição, e no desenrolar, Vincent é confrontado com seu passado, presente e futuro, não importando a distância entre eles, tal como o fenômeno de entrelaçamento quântico.
Esses elementos estão tão presentes em obras de ficção científica canonizadas, como a trilogia Sprawl de Gibson, os livros de Philip K. Dick, "Matrix", "Ghost in the Shell", "Gattaca", Isaac Asimov e tantos outros que metaforizam o presente com vernizes de um futuro tecnologicamente fantástico, mas demasiado humano.
Este livro me fascinou do início ao fim, não somente por reunir as referências supracitadas, mas também pelas reflexões que o autor nos traz sobre vida, morte, ego, sociedade, amor, ressentimento, perspectiva, incoerência e o vazio diante da completa dissolução desse monólogo que construímos em nossas cabeças.