Pablo Paz 18/05/2024
É para isso que a cultura serve - para dominar a perda...
É para isso que a cultura serve - para dominar a perda...
"Ninguém escreve um elogio da desistência, assim como ninguém escreve odes à vergonha. A questão que pretendo abordar não é por que desistimos, mas por que não desistimos. Por que nos interessamos menos por já ter desistido do que por evitar desistir? Como se a desistência não devesse ser refletida previamente, ou como se alcançar sua conclusão lógica levasse apenas e exclusivamente a pensamentos sobre suicídio. O que estamos fazendo a nós e aos outros quando não desistimos (algo que a tragédia está aí para nos ajudar a pensar)? (p. 26)".
Sempre que pensamos em desistir de algo, pessoas ao nosso redor - parceiro afetivo, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, parentes, gente da mesma religião - nos olham com olhos tortos. É porque a desistência numa sociedade que tem a competição e o sucesso como fins em si mesmo é vista por ela como fracasso e, pelo indivíduo que desiste, como derrota, ainda que desistir de algo seja a melhor escolha para salvar-se a si próprio.
Adam Philips, psicanalista britânico, escreveu todo um livro 'sobre desistir', principal ensaio do livro, e o que isso tanto acarreta quanto significa. Suas fontes são o herói trágico, a prática clínica e autores modernos para quem a desistência era tema corrente, em especial Sigmund Freud, Robert Musil, Thomas Mann e Franz Kafka, não à toa todos de língua alemã e que viveram a era dos extremos, entre os finais do século XIX e meados do século XX, entre a Belle Époque e as duas Grandes Guerras.
O livro é um primor: ao invés de autoajuda, oferece-nos todo um repertório conceitual psicanalítico para entendermos e não termos medo na hora de desistir de alguma coisa: 'é para isso que a cultura serve - para dominar a perda' (p. 148). Minhas poucas ressalvas às suas análises, porém referem-se à ausência de um autor gigante, também de língua alemã, de grande valia e potência para abordar o tema: Stefan Zweig (1881-1942), que desistiu da própria vida, suicidando-se em terras brasileiras (Petrópolis - RJ), desgostoso com os rumos da civilização ocidental e do racismo e antissemitismo de sua época.