Sabrina758 01/03/2023
"Mentir é a coisa mais divertida que uma garota pode fazer sem precisar tirar a roupa." (Closer, 2004)
Essa leitura foi uma surpresa extraordinária. Eu tenho uma atração por plots de unhinged women com uma parcela de surrealismo. E esse livro tem tudo isso e ainda o escárnio de uma gravidez falsa, denúncia de misoginia e reflexões existenciais.
Shibata resolve mentir sobre estar grávida para fugir do machismo em seu ambiente de trabalho. Essa percepção surge quando dela é esperado subserviência e funções que não fazem parte do seu trabalho, apenas por ser a única mulher do departamento. Shibata mesmo sobrecarregada com os seus afazeres, precisa se preocupar em limpar, lavar e servir café, ainda que todos utilizem e saibam fazer por contra própria.
Quando ela conta e sustenta a mentira, começa a observar as mudanças ao seu redor. Colegas de trabalho que nunca haviam antes trocado palavras com ela, perguntam sobre sua gravidez, ainda que com interesse forçado. Outros começam a ser responsabilizados pelas tarefas que ela desempenhava, como fazer o café para as reuniões. Shibata nota que todos eram capazes de fazer o que era esperado dela, mas não faziam por achar que era função de mulher.
Além disso, a parte mais interessante de tudo é como a Shibata leva a mentira a sério. Ela começa a agir como uma mulher grávida e, junto com ela, entramos nessa confusão entre a realidade e a fantasia, e ela começa a internalizar sintomas da gravidez. Em muitos momentos não sabemos o que está acontecendo ou o que é real. Ela começa a ganhar peso, a fazer exercícios para grávidas e usa um app para monitorar o tamanho do bebê. Com o passar das semanas, ela começa a usar panos para fazer volume na barriga.
Devido à gestação, ela pode sair mais cedo do trabalho e focar em coisas que ela não fazia antes, por falta de tempo e cansaço. Ela passa a ter mais qualidade de vida, cozinhar e comer refeições completas, assistir filmes, ouvir música e a passar um bom tempo na banheira. Simultaneamente, por ser uma mulher com mais de 30 anos e que não está em um relacionamento, as poucas amizades que tem quase não se vêem mais, ela repara no quão solitária é, no tanto que a sua vida é monótona e automática.
Shibata percebe, também, o quanto as pessoas estão prontas para se meter e opinar na vida das outras sem ter qualquer preocupação em ouvir ou mesmo se importar de forma genuína. Ela percebe o quão exaustivo é ser mulher e como somos criticadas por absolutamente tudo: aquilo que fazemos, aquilo que não fazemos, tudo é passível a crítica. Ela tem contato com um grupo de mulheres grávidas na academia e, mais uma vez, ouve relatos sobre os maridos dessas mulheres e o quanto eles acham que fazer o mínimo, aquilo que é obrigação, e ainda merecer reconhecimento por isso. Ou que colocam o trabalho e seu bem estar acima de qualquer coisa, até mesmo das esposas que carregam seus filhos.
É uma leitura que faz críticas com um humor ácido e muitas reflexões sobre a sociedade e machismo. Com uma protagonista que chegou ao seu limite e resolve se divertir com isso, dando a última risada, eu achei Diary Of a Void genial.