Henrique Fendrich 07/02/2019
O meu interesse era ler a primeira seleção de contos húngaros feita no Brasil, pelo Paulo Rónai, mas não achei o livro na biblioteca. De toda forma, o pouco que li neste livro, somado ao que li ao longo da coleção “Mar de histórias”, dá uma boa mostra da grandeza dessa literatura e de como ela precisa ser mais conhecida.
De DESZÖ KOSZTOLÁNYI eu já conhecia o conto "Aurora cinzenta". E, como neste primeiro conto, os demais também se destacam por um clima desolador e angustiante. Os personagens podem estar aflitos para recuperar alguma emoção perdida da juventude, podem andar errantes por uma cidade desconhecida na tentativa de achar o seu espaço no mundo, podem fugir desse mundo louco e caótico para se refugiar na segurança dos livros, e mesmo os que pretendem causar uma graça, pregar uma peça em outro, acabam de alguma maneira sucumbindo à própria angústia. São esses os materiais, respectivamente, de “Velhos”, “O errante de Veneza”, “O leitor” e “O louco de abril,” quatro contos que são a um tempo líricos e existenciais, lembrando algo do que já se fez tão bem na Rússia, mas acrescentando uma pungência, uma dor, um sabor todo especial. Merece ser bem mais conhecido.
FRIGYES KARINTHY comparece com um só conto, mas é um conto e tanto. “Por favor, professor” é dividido em várias peças, todas relacionadas às desventuras de um moleque na escola. Lemos situações como o atraso para chegar à escola, a chamada oral, a reprovação e duas das partes que mais gostei, a que trata das justificativas para um boletim com notas baixas e a da bagunça protagonizads pelos alunos em um momento em que não havia professor em sala. Não se trata de textos bobinhos, são, claramente, textos que só um adulto poderia escrever, e é muito fácil conseguir se identificar, há muita “universalidade” nos cenários que ele pinta, tanto que pode ser aplicado no Brasil de nossos dias. São episódios que podem ser cômicos (e o escritor tinha mesmo uma boa verve humorística), mas também densos e até mesmo dramáticos. Isso tudo usando e abusando do fluxo de consciência e da troca de vozes, em um ambiente caótico que, por vezes, atinge o surrealismo, mas que pode ser lido com muita avidez. Gostei bastante.
Já de GÉZA CSÁTH eu não gostei muito. Três contos eu li: “Johanna”, “Ópio” e “Matricídio”. Desses, o que mais gostei foi o primeiro, embora não tenha simpatizado nem um pouco com os personagens, que ficam tentando imaginar as aventuras amorosas da sua locatária. Mas termina daquela forma desoladora que não sei não se algum dia eu não vou chamar de “húngara”. “Ópio” é uma divagação proustiana, daquelas que a gente lê, acha bonito, mas não entende direito. “Matricídio” é isso o que o nome sugere. Trata-se de duas crianças que assassinam a própria mãe. Mas até chegar a esse fim tenebroso, elas passam ainda por muitas monstruosidades cometidas contra animais. Não recomendável para estômagos fracos.
O outro húngaro é GYULA KRÚDY, com dois contos complementares: “O último charuto no Arabs Szürke” e “O jornalista e a morte”, cada um esmiuçando como uma parte passou as últimas horas antes de um duelo. Os personagens são esquisitos como aqueles que vieram à literatura a partir do Gógol. Fica-se sabendo como é que comiam as classes altas e baixas da Hungria de 100 anos atrás, e mais algumas particularidades da divisão de classes existente na época. Não é reflexivo como eu desejaria. Mas pode se extrair alguma reflexão através da banalidade da morte em contraste com a vida cotidiana