Luíza | ig: @odisseiadelivros 27/05/2020Leitura de quarentena #7Por muito tempo, Anne foi a irmã Brontë mais subjugada. Muitos são os motivos: a mais nova das irmãs, a crítica negativa de seus livros na época em que foram lançados e, principalmente, a decisão de Charlotte de não reeditar The Tenant of Wildfell Hall após a morte de Anne. A justificativa seria a de que esse livro foi um "erro", já que não refletia o caráter calmo e beato de Anne. Talvez por querer proteger a imagem da irmã, Charlotte evitou que o livro tocasse ainda mais na ferida da sociedade da época (e até da atual).
Na nota de introdução da segunda edição, Anne não recua diante das críticas e defende o seu posicionamento em contar a verdade sobre uma face da sociedade até então pouco (ou nada) abordada: “I wished to tell the truth, for truth always conveys its own moral to those who are able to receive it”.
O romance se inicia com a narração de Gilbert Markham, um jovem dono de terras no interior da Inglaterra. Ele escreve ao cunhado, Jack Halford, acerca de um acontecimento que ocorreu anos antes. A chegada de uma jovem viúva, apenas com seu filho e uma velha criada, chama a atenção dos vizinhos. Logo, eles começam a integrá-la à comunidade após muita impertinência. Porém, é Gilbert quem se aproxima mais de Helen Graham. Ela é uma mulher diferente das que Gilbert conhece, forte, com ideias próprias e avançadas. Não demora muito para que ele se apaixone por ela. No entanto, as esquivas de Helen são justificadas a partir de suas memórias.
A segunda parte é narrada por Helen. Ela conta acerca de sua apresentação à sociedade, quando ela completa dezoito anos, sinal de que ela se encontrava disponível para casar. Criada pelos tios e sob princípios cristãos, Helen desde essa idade já possui posicionamentos próprios e firmes, além de defendê-los com base em argumentos racionais. Além disso, quer casar por amor, não apenas por dinheiro. Por isso, casa-se com Arthur Huntingdon. Por ele sente tanto amor que se apoia aos ensinamentos cristãos como justificativa para o seu casamento: possui o objetivo de afastá-lo de uma vida de pecados e da ruína.
E, então, Anne Brontë inova: apresenta a vida após o casamento e, ainda, explora o comportamento dos homens (o que hoje podemos chamar de “masculinidade tóxica”). O depoimento de Helen vai do céu ao inferno ao narrar a construção de uma jaula, de um relacionamento abusivo. Esse se constrói mais por falas do que por ações. A sociedade em que vive, inclusive, é rodeada de homens e mulheres que não reproduzem o “felizes para sempre” costumeiros em livros naquela época. O que acontece após o casamento? É esse o foco do livro. É agonizante, o leitor vai se aprisionando junto com a Helen, pois, para uma mulher do século XIX, a falta de liberdade e de direitos, ainda mais em um relacionamento com uma pessoa tão desprezível, a vida doméstica era uma prisão.
Por mais que a Helen esteja aprisionada, é nela que vamos encontrar discursos proto-feministas. Não apenas se utilizando de versículos bíblicos, Helen está determinada a mudar o pensamento do marido e até daqueles que a rodeiam. As passagens em seu diário são nutridas de um pensamento à frente de seu tempo, demonstrando a sagacidade da autora e o quanto seus pensamentos eram avançados. Além desse aspecto, apresenta-se a personalidade dos homens. Todos os homens são impulsivos, até mesmo Gilbert, e todos me deram nos nervos! Gilbert, inclusive, é um personagem interessante. Pintando-se a si mesmo como “bom moço” e “filhinho da mamãe”, durante toda a obra age com impulsividade, interpreta as ações dos outros de acordo com seu julgamento e com seu próprio senso de “justiça”.
Até então só li Jane Eyre, da Charlotte, e O morro dos ventos uivantes, da Emily. Foi em Anne que encontrei os primeiros indícios de humor. Claro que pelo enredo parece claramente uma tragédia, mas toques de ironia estão presentes em toda a obra. Não deixando de ser, em maior parte, um livro sombrio, o humor é dosado e provém do afastamento do romance moralista, comum naquela época, embora seja essa característica que o acoberte. Ora, há claras passagens bíblicas no romance, mas o proto-feminismo está presente também.
Quanto aos pontos negativos do livro, não são muito visíveis. É uma narrativa bem estruturada, que serve ao seu propósito. Os únicos deslizes foram devido ao posicionamento do narrador em primeira pessoa.
[OPINIÃO DO FINAL: contém spoiler]
O final é propriamente feliz? Na minha opinião, não. Comparando com Jane Eyre e com os romances de Jane Austen, todos os desfechos acabam em casamento. O que difere The Tenant of Wildfell Hall de Jane Eyre e o aproxima dos livros de Jane Austen é o fato de ser um desfecho conveniente, não feliz. Anne Brontë não estendeu o romance, já que o foco dela não era esse, ela o encerrou imediatamente ao final do livro. A ambiguidade de Helen me faz pensar que esse não era o propósito da autora, apenas o fez para que fosse conveniente à época. O Gilbert, com toda sua impulsividade e defeitos mencionados acima, não seria melhor pretendente do que qualquer um dos outros.
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