Fabio Shiva 18/03/2012
O Mistério do Quarto Fechado
Provavelmente todos os autores clássicos de romances policiais sentiram ao menos uma vez a tentação de experimentar seus talentos nesse tema: um crime cometido em um quarto fechado por dentro.
O tema é fascinante porque adiciona novos enigmas ao tradicional whodunit (quem matou): como o crime foi cometido? Como o criminoso conseguiu sair do quarto deixando a porta trancada por dentro?
Não é à toa que tantos escritores famosos tenham sido seduzidos por esse tema, que poderia representar o supra-sumo do jogo intelectual criado para o leitor de romances policiais. Conan Doyle e Agatha Christie, por exemplo. John Dickson Carr chegou a especializar-se em mistérios do quarto fechado. A própria obra inaugural do romance policial, “Os Crimes da Rua Morgue” de Allan Poe, é à sua maneira um mistério do quarto fechado. Eu mesmo não resisti à tentação, e tasquei um crime desses em meu romance “O Sincronicídio”.
Em “A Pista do Alfinete Novo”, a começar pelo título, tudo gira em torno do mistério do quarto fechado. Edgar Wallace, venho confirmando, é o escritor do mote. Suas histórias giram em torno de uma idéia central, que chamei de mote, geralmente algum truque bolado pelo escritor, seja a maneira de cometer um assassinato à distância em “Os Quatro Homens Justos”, ou a forma de desaparecer debaixo dos narizes da polícia em “O Sineiro”, ou mesmo a irresistível tentação de bolar uma solução original para o mistério do quarto fechado, como é o caso do presente livro.
Todo o resto da história é apenas pano de fundo para a cena da dramática revelação do mote (daí esse título que inventei para E.W.), o que é feito com variados graus de habilidade. Quando acerta a mão, Edgar Wallace é uma delícia. Mas mesmo quando a receita desanda um pouco, continua gostoso de ler.
E de quebra, ainda fui surpreendido muito agradavelmente por esse trecho totalmente inusitado:
As igrejas e as seitas, as religiões de todas as espécies, são monopólios. Deus é como a água que surge das montanhas e forma os arroios e os rios. Lá vão os homens recolher a água em garrafas, alguns em detestáveis garrafas, outros em belas garrafas, e depois as vendem dizendo: “Somente esta água aplacará sua sede”. Mas frequentemente acontece que perderam já todas as suas boas propriedades. O senhor pode beber melhor no côncavo das mãos, ajoelhado junto do arroio. Aqui se engarrafa sem reparar em absoluto no conteúdo, mas com meticuloso cuidado quanto à forma do recipiente! Sempre vou ao arroio.
Viva Edgar Wallace!
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