willian.coelho. 07/04/2023
É ótimo, mas precisa conhecer um pouco do contexto histórico do século XX.
Greene, autor de “O americano tranquilo”, foi um prolífico escritor britânico do século XX, tendo muitas obras adaptadas. Seus romances ocorrem em países subdesenvolvidos, palcos de interessantes conflitos, como Cuba e Indochina, onde esteve; por ter formação em jornalismo, estava bem situado nas disputas políticas que o rodeavam, imbuindo-as em seu texto de modo satisfatório. Nota-se, também, que ele possuía certo conhecimento em matéria filosófica: neste título, destaca com primazia embates como democracia versus colonialismo, sendo bastante ácido em alguns sagazes comentários antidemocráticos. Contudo, não se limita somente ao campo coletivo: niilismo, fé religiosa, culpa, para citar só uns poucos dilemas individuais, fazem-se deveras presentes.
A trama, que se passa durante a primeira guerra da Indochina (que precede a do Vietnã), se apresenta superficialmente como uma rixa amorosa entre o narrador britânico (Fowler), um americano recém chegado (Pyle) e uma tonquinesa (Phuong), porém grande parte do foco se destina à cultura local, ao combate em curso e aos dilemas morais correntes. São poucas personagens, entretanto são profundas, bem construídas e verossímeis (Graham se inspirou em pessoas reais que conheceu). A cronologia segue da seguinte maneira: começa próximo ao final, regride no tempo e vai de encontro ao desfecho, elucidando os acontecimentos dessa janela formada. Tudo se passa em primeira pessoa, com o leitor seguindo Fowler, um existencialista apaixonado de meia idade enfrentando o fracasso pessoal ao mesmo tempo que seu relacionamento é ameaçado pelo jovem Pyle, um indivíduo totalmente “american way of life”. A escrita é simples (mas não rústica ou tosca), com bastante sarcasmo e autorreflexão.
Foi adaptado para o cinema duas vezes; o filme de 2002 tem muito boa vontade em tentar reproduzir as complexas personagens com fidedignidade, entretanto se obriga a simplificar, e assim também o faz com a geopolítica envolvida (o que fere inexoravelmente a acurácia histórica). Todavia, certamente vale a pena ser assistido (87% no Rotten Tomatoes), não se trata de um longa medíocre demasiadamente comercial. Quanto à obra original, talvez para um leitor do século passado seria um eficiente e simples entretenimento (porque se vivia naquele contexto), mas hoje não é para qualquer um: é lento para os padrões atuais, tem fundo complexo e rico (há necessidade de estudar o tema, além de possuir certa expertise em história contemporânea) e, de jeito nenhum, é proveitoso só pelo enredo amoroso. Definitivamente é daquele tipo de livro que, para ser degustado e apreciado, é crucial ter bagagem em ciências humanas.