Rick-a-book 31/08/2010
Juventude Transviada
1976. O mundo era bem diferente naquele tempo. Os anos 60 haviam deixado toda a herança “paz e amor” de que tanto ouvimos falar e o preço a pagar por isso foi que muitas das crianças e adolescentes crescidos naquele meio hip se tornaram os adultos que acreditavam que o amor livre e o uso indiscriminado de drogas era um direito a ser usufruído, e isso quando não achavam que se tratava da coisa mais trivial sobre a terra. Mas isto é apenas uma generalização, assim como o relato trazido por Murakami Ryu neste livro que foi sua primeira obra e a mais conhecida de sua autoria. Logo após ter sido lançado, o livro causou furor no Japão, tanto pelo conteúdo mostrando cruamente o lado degradado da juventude japonesa, quanto pela forma agressiva com que isso fora feito.
Almost Transparent Blue é uma mescla muito bem dosada de alienismo e depravação, nas palavras de um artigo da Newsweek, “Almost Transparent Blue é uma mistura de Laranja-mecânica e O Estrangeiro.” Concordo em parte: as sensações advindas do livro diferem das que são recuperadas através das outras duas obras. Ryu – o personagem principal e, provavelmente, o próprio autor –, um rapaz bissexual de 19 anos, por exemplo, tem raros momentos de diálogo interno ou de reflexão profunda. Ele é um mero espectador, muito bem, mas o que ele poderia estar pensando ou esperando do que ele presencia, fica a cargo do leitor. A experiência é válida.
O livro não tem uma divisão clara em capítulos ou qualquer outra forma. Os relatos correm livremente e sem muita fixidez na estrutura. O que ajuda é que a narrativa é linear. A monotonia da vida sedentária do protagonista e de seus amigos viciados em drogas leves e pesadas e em sexo – quase sempre grupal – ajuda a delinear o que se imagina que tenha a sido a juventude sexo, drogas e rock’n roll daquele tempo, ainda que, obviamente, talvez aquilo não tenha sido tão comum quanto se queira fazer acreditar.
Almost Transparent Blue é definitivamente um desses livros de autores japoneses que acaba com a enfadonha e nada criativa tentativa de manter a aura de Japão feudal, isto é, de um país mitológico habitado por guerreiros que vivem pela lei da espada e mulheres adornadas nos mais belos trajes de seda, ambos vivendo em um mar de pétalas cor-de-rosa vindas das flores de cerejeiras. E pode? Bem, no Japão, o que não pode?