Arsenio Meira 21/11/2013
DESILUSÃO E MEMÓRIA: DOIS TORCEDORES EM MEIO À DOR DE UMA DERROTA MAIS PROFUNDA DO QUE UM JOGO DE FUTEBOL
Há um sem fim de teorias sobre o poder do futebol. Em época de Copa do Mundo, uma simples unha encravada de um craque ganha mais importância na mídia do que o aumento de impostos ou denúncias de corrupção. Se a seleção vai bem, o Brasil vira um paraíso; se o time perde, serve de motivo para a criação de uma CPI. Esse ufanismo é nefasto.
O futebol é um oráculo, define os rumos do país e marca fases de nossas vidas. Ciente disso, o escritor Michel Laub usa, em "O Segundo Tempo", a semi-final do campeonato brasileiro de 1989 entre Internacional e Grêmio como pano de fundo para falar sobre o drama de um menino de quinze anos que assiste à sua família desmoronar.
Narrado pelo então garoto, vinte anos mais velho, ele conta que na época o desempenho do seu time já não lhe servia como uma bolha capaz de isolá-lo dos problemas, mas era a maneira que encontrava para proteger o irmão mais novo, Bruno, das brigas dos pais. O escapismo em forma de estádio e bola na rede. O trauma pela perda da inocência – quando tinha os mesmos onze anos do seu irmão, ao encontrar a mãe no chão, após tomar um frasco de pílulas – fez com que ele assumisse para Bruno o papel do pai, cada vez mais ausente. Assim, numa tentativa de suprir essa carência, passou a dividir com o irmão as alegrias que tivera anos antes com o pai, quando este ainda se interessava por futebol.
Mas as mudanças em sua vida não se restringiram aos cuidados do irmão. Como filho mais velho, capaz de entender o mundo dos adultos, virou o confidente dos pais, sendo bombardeado com frustrações e chantagens emocionais de ambos os lados. É uma porrada emocional. O protagonista do romance suportou tudo – conheceu a amante do pai, viu a falência do mercado da família e a autodestruição da mãe, que usava sua depressão para impedir o divórcio – e, quando percebeu que já não podia impedir a derrocada, sob pena de naufragar junto, ele resolve fugir, começar sua vida de adulto do zero. Pelo menos tenta. Antes, como uma despedida, decidiu dar ao irmão um domingo inesquecível, que viria com a vitória do Grêmio sobre o Inter.
A história segue de acordo com os lances do Gre-Nal do Século, como ficou conhecido o clássico de 1989. Com o cuidado e a delicadeza de quem visita o passado, o narrador alterna os sentimentos e as angústias do adolescente que estava prestes a tomar uma grande decisão com as visões do adulto que se tornou.
Em meio a descrições do jogo, ele vai costurando as lembranças não-lineares que lhe surgem com análises e comentários do presente. É como se o narrador já tivesse lido o livro e, durante a segunda leitura, fizesse anotações sobre o que aconteceu depois do jogo, aprofundando assuntos como a doença da mãe e recheando o futebol com um saudosismo que muito se assemelha a um sintoma de decepção.
Nesse ponto, Laub aceita a desilusão, quando percebe a importância demasiada que deu ao futebol. A ironia saudosista do narrador de Laub em relação ao esporte é o reconhecimento do fascínio que esta modalidade exerce sobre a maioria das pessoas e, ao mesmo tempo, o personagem descortina sua fraqueza, por ter, de uma certa maneira, sujeitado o próprio destino à trajetória de uma bola.