spoiler visualizarlissandra 23/05/2024
É mais do que parece ser
Li algumas análises do livro e todas criticavam Murakami apontando que Sul Da Fronteira, oeste do sol, não passa de um romance amoroso ou de uma tentativa de romance de formação, sem nada a oferecer. Eu discordo plenamente dessas opiniões. Eu terminei o livro com a mente fervendo, cheia de interpretações e principalmente ?embasbacada? com a complexidade dessa história que em uma primeira vista ou para alguém que não se esforce em pensar um pouquinho além pode parecer super banal e sem graça, o que ela não é, apesar de ser uma história super realista (o que me fez gostar ainda mais).
Vi resenhas em que pessoas criticam Murakami comentando que ele escreveu uma historia sobre um homem chato, cis, hetero, rico, mesquinho e egoista e eu faço a seguinte pergunta para essas pessoas, você leu direito? Sim, ele é um personagem cis, hetero e egoísta, mas a história não se baseia apenas nisso e esse personagem carrega uma personalidade super fragmentada e questões bastante complexas?
Em resumo, eu adorei navegar pela mente problemática do Hajime e apesar de ficar irritada com ele durante boa parte do livro eu acabei criando uma enorme empatia. Hajime é um personagem marcado pela falta, isso fica evidente desde o início da história: ?Eu era uma criatura anômala naquele mundo, a quem faltava algo?.
Inclusive, logo no início Murakami joga várias pistas de como será o desenrolar desta narrativa, além de adicionar uma enorme dimensão simbólica. Sul da fronteira, oeste do sol, não fala apenas sobre um amor platônico, mas sobre ilusões, fantasias e o desejo ardente pela fuga, fuga de emoções e principalmente do vazio. Hajime utiliza da idealização de uma mulher, de um amor, para fugir da realidade. O personagem se agarra tanto a ilusões que acaba submerso nelas e naquilo que ele tanto queria fugir. Ele utiliza do ?amor? pela Shimamoto para preencher aquilo que falta nele, mas de tanto fantasiar acaba cada vez mais vazio e é literalmente o vazio que o faz acordar.
Quando Hajime vê Izumi ele se dá conta da realidade, ele se enxerga nela e assim percebe o caminho pelo qual vem andando: ?Era como se eu tivesse sido invadido pelo vazio que Izumi me mostrará?. E a partir daí o personagem tem uma espécie de epifania, assim como as personagens de Lispector. Além disso, o livro também fala do ciclo da vida, de mudanças? Hajime, quando adolescente gostava de quem era pois percebia-se em uma eterna mudança, sempre em transformação e com os seus trinta e poucos anos devido a constância da vida e x questões ele acaba acomodado, preso no seu próprio corpo e mente, e em várias passagens ele comenta que gostaria de ser outra pessoa e que ele finge ser outra pessoa, vive fingindo para si mesmo pois não gosta de quem é? No final do livro, o personagem vê o início do dia pela janela e comenta que é um novo dia e que assim como ele há chances de mudança, ele comenta, inclusive, que suas filhas precisam ainda mais do que ele daquele novo dia, dando uma alusão às transformações que passamos na vida. Quem você era ontem é diferente de quem você é hoje. E Hajime já não passava mais por isso, pois vivia preso no mesmo dia, no mesmo limbo?
Enfim, essa é a minha interpretação e mesmo que esteja equivocada eu tenho certeza que essa história não é apenas uma narrativa sem nada demais, acredito que nela há muita coisa atrás das palavras e há várias interpretações. Leitura aprovadíssima!