Thaianne 26/04/2021O que seu eu do passado pensaria da pessoa que você é hoje?"O que Alice esqueceu" é o segundo livro que leio da autora australiana Liane Moriarty. Na obra, temos uma premissa que julguei bem interessante: Alice Love é uma mulher de 39 anos que sofre um acidente em uma aula de step, e, ao acordar, perde a memória dos últimos 10 anos de sua vida. O quanto uma vida pode mudar nesse período? No caso de Alice, aparentemente, muito. Aos 29 anos, ela era uma mulher recém-casada, muito apaixonada pelo marido, e esperava o primeiro filho. Era muito próxima da irmã, era uma pessoa relativamente relaxada e que não ligava muito para exercícios físicos ou alimentação saudável. Aos 39, é uma mãe de 3 filhos (dos quais inclusive não se lembra) super organizada e eficiente, que vive a base de cafeína, é "rata de academia" e que percebe existir uma distância entre si mesma e sua outrora tão próxima irmã. Alice também descobre que está prestes a se divorciar, e que ela e o (ex-)marido Nick mal conseguem manter uma conversa civilizada e livre de ressentimentos.
O livro se estrutura em cima do conflito que existe entre o "eu" de 29 anos de Alice - o "eu" do passado, um pouco confuso e até talvez ingênuo - e o "eu" de 39 anos - o "eu" do presente, que Alice ainda está tentando entender o que de fato é, e porque se tornou assim. A obra é envolvente, e estruturada em três perspectivas: a de Alice, a de sua irmã Elisabeth (na forma de um diário escrito a pedido de seu psiquiatra) e a da avó de ambas, Frannie (na forma de um blog, que é muito divertido kk).
Percebi que Liane segue um padrão de história: três narradoras, que incluem perfis como uma super mãe, uma pessoa bastante tímida (e ambas podem ou não ser a mesma personagem) e uma idosa. De forma semelhante, há um mistério (embora nesse livro, diferentemente de outras obras da australiana, não seja um grande mistério, nem nada criminal) que a autora explora até o limite da paciência do leitor. E esta é minha principal crítica, não só em relação a este livro como em relação a "O segredo do meu marido". Por mais que O "mistério" (as lembranças de Alice podem ser consideradas também pequenos mistérios, já que vamos descobrindo tudo aos poucos junto com ela ao longo do livro, mas falo de um fato específico) seja relativamente previsível, acho que não precisava demorar tanto para revelá-lo (fico com a impressão de que até metade dos livros dela pouco realmente acontece). A partir desse ponto de virada, o livro fica excelente. O que me marcou essencialmente foi esse olhar do "eu" do passado sobre o "eu" do presente, com uma perspectiva que só a distância é capaz de trazer. Há mudanças que ocorrem em nós mesmos que são tão graduais que nem sequer percebemos. Alice tem o "privilégio" (não esqueçamos de que ela precisou bater seriamente a cabeça para conquistá-lo kkk) de observar essas mudanças e se perguntar como e por que ela se tornou o que é, avaliando com talvez mais objetividade se faz sentido continuar por esse caminho. Ela também compreende a importância das experiências dolorosas na formação de quem é. Ao mesmo tempo, fica evidente como o acúmulo de pequenas coisas (e não necessariamente um enorme cataclisma) pode corroer nossos relacionamentos interpessoais. Gostei de que a autora tenha usado diferentes estruturas narrativas para as outras personagens (principalmente do blog de Frannie kkk). E gostei muito do desfecho (embora também tenha sido previsível).
Recomendo aos leitores que buscam um delicioso drama familiar.