Os vestígios do dia

Os vestígios do dia Kazuo Ishiguro




Resenhas - Os Resíduos do Dia


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Zelinha.Rossi 02/11/2017

Na superfície de “Os vestígios do dia”, Kazuo Ishiguro narra as reflexões de um mordomo do período entre-guerras, Mr. Stevens, acerca da profissão – mais especificamente quais as características intrínsecas para que o profissional de uma grande casa seja memorável. Mr. Stevens foi, desde o princípio e no âmago de seu ser, delineado para servir. Filho de um pai que também trabalhou como mordomo, passou a considerar normal desde cedo que a vida profissional deveria sempre se sobrepor à pessoal, a qualquer custo – uma das coisas que compõem o que ele considera como dignidade. Mr. Stevens tem a profissão como o grande sentido de sua existência, e acaba sendo incapaz de reconhecer e demonstrar qualquer ligação sentimental ao longo de sua vida ou mesmo de percebê-la e, nesse caso o destaque vai para o seu verdadeiro sentimento com relação a Miss Kenton, a antiga governanta que ele pretende recontratar. Afinal, qualquer manifestação de possível sentimento de Mr. Stevens é sempre escondida pelos seus modos sempre polidos e extremamente servis.
Mr. Stevens parece ter um enorme orgulho pelo papel que, sutilmente, desempenhou no panorama das grandes decisões internacionais – ao servir um importante lorde e garantir sua reconhecida hospitalidade, fez com que Darlington Hall fosse um lugar onde se fazia História. No entanto, que tipo de História era essa? E que tipo de pessoa era efetivamente Lorde Darlington? Alguém erroneamente e ingenuamente ligado a fatos e pessoas escusas ou alguém que sabia de fato o que estava fazendo? O relato em primeira pessoa, muito bem construído e escrito (a voz dada ao personagem principal o torna completamente verossímil)
é, aliás, fundamental para a construção da obscuridade do lorde. E– e aí é que está um dos pontos mais brilhantes da obra – quando defende o patrão, será que Stevens o está fazendo justiça ou será que o está justificando apenas para tentar convencer a si mesmo que sua vida não foi um enorme erro por se dedicar ao serviço e a uma irrestrita confiança e adoração à pessoa errada? Será que ele realmente confia nos próprios julgamentos e conclusões?

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regifreitas 19/10/2017

Nem sempre o vencedor do Nobel de Literatura é uma unanimidade, vide a controvérsia que cercou a eleição de Bob Dylan no ano passado. Com o escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro não foi diferente. Uns aplaudiram (embora não de forma entusiástica), outros não veem qualidades suficientes na produção do autor para tal honraria.

Também não significa que o escritor agraciado seja o suprassumo da literatura e um gênio das letras, devendo ser adorado a partir daí. Muitos grandes autores como Borges e Cortázar, e mesmo o nosso João Guimarães Rosa, não chegaram a receber o prêmio. Muitos ganhadores de anos anteriores foram completamente esquecidos, assim como suas obras. Eu mesmo, dos vários vencedores que já tive a oportunidade de ler, nem todos me caíram no gosto. Dos mais recentes, o francês Patrick Mondiano, em 2014, é um claro exemplo, tratando-se de um autor bem mais ou menos, no meu entender.

Em relação a Ishiguro eu só tinha lido o apenas razoável Um artista do mundo flutuante (An artist on the floating world, 1986), aliás, obra anteriormente escrita a esse Os vestígios do dia. Desse último, lembrava vagamente da adaptação cinematográfica de 1993, e da ótima impressão que me causou na época.

Quanto à obra literária em si: gostei bastante da escrita do autor aqui, concisa e elegante. Mas o que mais se destaca é o desenvolvimento do protagonista, o mordomo Stevens. Ishiguro constrói uma personalidade muito interessante, complexa na sua aparente simplicidade, sem nunca ser demasiado explícito na exposição desse personagem. Como a história é narrada pelo próprio Stevens, o que chama a atenção é o que não é verbalizado ao leitor, mas apenas deixado no ar. Assim, o grande lampejo do romance, não é o fato de Stevens ser um narrador ardiloso, que esconde informações essenciais do leitor, mas sim quando nos damos conta de que o próprio personagem ainda não consegue (ou não quer) enxergar muitas coisas; embora ele intua muito sobre o acontece ao seu redor. Desse modo, o livro nunca descamba para emoções demasiadamente verbalizadas, ou lamentações em relação ao passado, ou sobre as oportunidades perdidas, ou mesmo o fato de não se ter alcançado o que se desejava na vida.

A leitura não me tocou tanto, como li que aconteceu com vários leitores. Passei, sim, por um misto de empatia, frustração e até raiva em relação à postura excessivamente centrada de Stevens. Assim, a obra é melancólica, triste em muitos momentos, mas como o próprio narrador, ela procura manter os sentimentos sob controle a maior parte do tempo, e isso também me afastou emocionalmente. Contudo, é justamente esse expediente que torna a obra tão equilibrada e coerente do começo ao fim.

Talvez Ishiguro não seja um escritor genial, como Saramago e García Márquez, mesmo assim, se vale de consolo para quem não gostou da indicação, o prêmio da Academia Sueca já esteve em mãos bem menos hábeis.
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Talita 01/07/2016

Os resíduos do dia
A história modesta de um homem modesto rendeu um livro apaixonadamente reflexivo e triste. Esse é o meu sentimento com Kazuo Ishiguro e o seu Os resíduos do dia, com tradução de José Rubens Siqueira. Minha edição é a antiga, por isso o nome Resíduos ao invés do mais recente Os vestígios do dia. Traduções de título à parte, acho minha capa muito mais representativa.

Stevens é mordomo em Darlington Hall, uma ilustre mansão inglesa, há mais de trinta anos, e no verão de 1956, já idoso, ele é aconselhado por seu novo patrão, um americano, a fazer uma pequena viagem, para tirar um descanso. O mordomo, que não tem parentes e nenhum lugar para ir, decide visitar uma antiga governanta que trabalhou na mansão em seus tempos áureos. Durante esta curta viagem de cinco dias, Stevens irá rememorar momentos do seu trabalho que vão esclarecer para nós, leitores, como um homem que pareceu levar uma vida trivial e sem grandes sobressaltos pode, mesmo com tão pouco, ter tanto a contar.

No fim da década de 1920 e início da década de 1930, no período entreguerras, a mansão ainda pertencia a um nobre inglês, Stevens estava no auge de sua vida e gostava de seu trabalho. Um mordomo que servia homens importantes enquanto eles tomavam decisões fundamentais para o futuro do Reino Unido e da Europa. Alguém que, como ele mesmo diz, conseguiu chegar “tão perto do eixo das coisas quanto um mordomo poderia desejar”. Por boa parte do livro é possível pensar que só o trabalho interessou a esse homem, e que na vida pessoal dele não aconteceu nada digno de nota, mas, enquanto ele escolhe o que contar e o que omitir, ao sentimento de dever cumprido do narrador se acrescenta um novo-velho entusiasmo - escondido com discrição e elegância - quando ele se lembra de uma antiga governanta, Miss Kenton. Ela foi por muitos anos o braço direito de Stevens e, aos poucos, é fácil perceber que havia paixão ali, mesmo entre todas as formalidades e convenções a que os dois precisavam estar atentos.

Esta lealdade ao serviço, ao patrão e às normas sociais do país foi o que mais me comoveu no livro. É uma entrega ao mesmo tempo admirável e triste que, se já não encontra razão de ser durante a decadência do mordomo, na década de 1950, hoje em dia parece de outro planeta. Minha impressão de um mordomo britânico, do início do século XX era bem essa: a de um homem sisudo e solene. Para mim um mordomo é a representação perfeita de um britânico. Durante toda a narrativa, senti isso em cada palavra de Stevens, que além de seu jeito formal de falar, tem muito orgulho de ser como é. Um trecho resume bem o que estou tentando dizer:

“O que é exatamente essa ‘grandeza’? Onde, exatamente, ou em que ela reside? Tenho plena consciência de que seria preciso uma cabeça muito mais sábia do que a minha para responder a essa pergunta, mas, se fosse forçado a arriscar uma resposta, diria que é a própria ausência de drama ou espetaculosidade óbvios que distingue a beleza de nossa terra. O que é perfeito é a calma dessa beleza, a sensação de contenção. Como se o país soubesse de sua própria beleza, de sua própria grandeza, e não sentisse nenhuma necessidade de proclamá-la. Comparativamente, o tipo de paisagem com que nos brindam a África e a América, embora sem dúvida mais excitante, por certo pareceria inferior ao observador objetivo, devido a seu indecoroso exibicionismo”.

Para Stevens, demonstrar os sentimentos também é um ato de “indecoroso exibicionismo”, e talvez por isso, seus sentimentos tenham ficado guardados por tanto tempo, rompendo-se em apenas um momento, um pequeno momento em que conseguimos vislumbrar todo o excesso preso dentro dele, tudo aquilo que nunca teve vazão. Talvez por isso o impacto no leitor (pelo menos em mim) seja imenso. Kazuo Ishiguro conseguiu contar a história de um homem contido, com dificuldade em expressar afeição, mas que no fim nos surpreende com o amor, mesmo que esteja para sempre bloqueado emocionalmente. Ao realizar isso, ele conta também a história do fim de uma época de grandeza.

A fidelidade de Stevens a seu patrão, Lord Darlington, também é o motivo de seu orgulho pelo maior bem que, para ele, uma pessoa pode ter: a dignidade. Stevens acredita que a dignidade não é uma qualidade que aparece em qualquer pessoa, e que não está ligada a opiniões firmes. Ele cultiva aquela modéstia subserviente que faz tão bem ao status quo. Em suas palavras, dignidade se resume “a não tirar a roupa em público”. Por isso, mesmo sabendo que Lord Darlington, no auge da segunda guerra, conviveu com os inimigos, mesmo não concordando com muitas das atitudes do patrão – como, por exemplo, demitir duas empregadas judias – Stevens nunca abandonou sua lealdade, mesmo depois da morte do antigo patrão. Ele é um típico filho das classes baixas inglesas, acostumado com (e afeito a) a ordem vigente, mesmo que isso lhe custe a felicidade pessoal. Quando ele finalmente demonstra alguns de seus sentimentos, não tem como não sentir pena de um homem cujo tempo já passou, alguém que serviu ao que acreditava ser correto.

Os resíduos do dia pode tratar de um homem modesto, mas conta uma história nada simplória. Stevens é um narrador que consegue nos tocar mesmo quando abominamos suas atitudes e decisões. Este é um romance verdadeiramente enternecedor.

site: https://ninguemdeixababydelado.wordpress.com/2016/07/01/os-residuos-do-dia/
Márcio_MX 02/07/2016minha estante
Li há pouco dias "Não me me abandone Jamais".
Me emocionei muito.


Talita 02/07/2016minha estante
Márcio, também me emocionei muito quando li "Não me abandone jamais". É um livro muito especial.




Radija Praia 01/07/2016

“Quando tiver sessenta, se eu chegar até lá, que os meus olhos funcionem bem. E eu, estando só, busque os meus netos na escola, e seus sorrisos me lembrem que eles são a fortuna que acumulei.”
Faz alguns meses desde que li meu primeiro Kazuo Ishiguro, e ainda me recordo bem dos sentimentos despertados em mim através da narrativa magistral de “Não me abandone Jamais” – um livro aparentemente simples e de leitura fácil, que, no entanto, carrega um grande peso em suas entrelinhas.

“Vestígios do Dia” - vencedor do Booker Prize em 1989 - não é diferente nesse quesito. Considerado o romance mais famoso do autor, nos apresenta em sua narrativa de forma simplória, fatos da vida de um tradicional mordomo inglês, Mr. Stevens, em Darlington Hall, uma conhecida casa de campo grande.

A história se passa em 1956, e é contado em primeira pessoa pelo próprio Stevens, o que logo torna evidente para nós leitores uma apresentação de um narrador, mesmo que sem querer, não confiável.

Stevens começa por nos relatar uma rara viagem de férias de Darlington Hall, onde ele trabalha, para a região Oeste, onde ele está indo ostensivamente com intuito de atrair a senhorita Kenton - uma ex-governanta de Darlington - de volta ao seu serviço. Embora essa saída de férias não nos apresente grandes acontecimentos ou ocorrências sem incidentes mirabolantes e estarrecedores, durante a viagem, o mordomo começa uma grande reflexão (eu diria uma grande conversa consigo mesmo e com o leitor) sobre seus anos de serviço ao seu antigo patrão, Lord Darlington, e as políticas em que o mesmo estava envolvido; além de também reviver momentos-chaves de sua relação com a Miss Kenton.

Stevens é o próprio modelo clássico de um cavalheiro inglês, agradável, cortês e reservado; é também o um excelente profissional. No decorrer da narrativa começamos a sentir por ele, ao perceber que todas as suas “ambições” na vida giraram/giram em torno da vida de outrem. Ele não quer nada mais além do que servir o seu patrão fielmente e cumprir os mais elevados padrões de sua profissão, mesmo que isso implique em ver o errado acontecer do seu lado e se calar, mesmo que isso implique em ele abdicar de sua própria vida e das pessoas ao seu redor. É fascinante observar a maestria de Ishiguro por meio do contar de Stevens. Até o final do romance percebemos que o nosso narrador tem, pelo menos em algum nível de toda sua confissão, mentindo para si mesmo, só não conseguimos ter certeza se ele mesmo percebeu sua autonegação.

Quando eu li “Não me abandone Jamais”, eu fiquei tão fascinada pela forma de contar Ishiguro, lembro-me da empatia que tive por Kathy, e sobre pensar em como ela tentava escapar do destino medonho que a sociedade tinha estabelecido para ela e sua espécie. Mas, além disso, o que me chamou atenção foi o fato da alegoria sobre as muitas maneiras em que a sociedade nos convence de forma lenta, mas seguramente, de nos tornarmos coisas que realmente não queremos ser. “Os Vestígios do Dia” corre ao longo do mesmo tema, a única diferença crucial é que ele não condena a sociedade, mas o indivíduo: o papel que o mesmo desempenha na sua própria doutrinação. Coisas que dizemos a nós mesmos que queremos e jaulas que construímos em torno de nossas próprias vidas.

Eu gostei tanto dessa narrativa. Ela falou comigo de uma forma singular. Por várias vezes me vi querendo entrar nessa história e dizer para o Stevens fazer diferente diante de suas decisões, e então me recordava que eram apenas memórias. E meu julgamento diante delas, lembrava-me das minhas tantas decisões e inversões de valores no decorrer da vida. Sim, gente: o tempo corre e cobra. Ele não espera por ninguém. Não adianta se enganar diante disso. Então dê o melhor a você mesmo. Nunca desmereça seus sonhos e suas buscas. Não desmereça seus pais, seus avós, sua família... Não desmereça o amor e as relações afetivas. Aproveite cada instante com seus filhos, irmãos e amigos. Se algo estiver errado, fale. Esteja atento ao peso do tempo em sua vida. Ele urge para todos. E ter consciência disso, espanta arrependimentos. Não deixe para ter essa percepção apenas nos resíduos do dia.

@rhadijapraia

site: https://www.instagram.com/p/BHVUxF6ADcd/?taken-by=rhadijapraia
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Hernani 26/05/2015

Os resíduos do dia, de Kazuo Ishiguro

Sempre digo aos meus alunos: a melhor coisa da adolescência é que ela passa. Algum escritor, não me lembro quem, diz ser uma pena a juventude ser gasta com os jovens. Concordo também. Mas minha frase não é só uma frase de efeito, é isso também, mas não é só isso. É um reconhecimento de imaturidade. É admitir o erro, é ser indefeso a ponto de ver seu ego tomar decisões ou emitir juízos dos mais equivocados. E eu emiti um dos mais equivocados juízos da minha vida quando era adolescente. Aconteceu quando me considerava um cinéfilo, pobre de mim, e vi Vestígios do dia, com Anthony Hopkins e Emma Thompson. E achei um dos filmes mais incrivelmente chatos e inócuos (não usei essa palavra na época) que já tinha visto. Se me pedissem o nome de um filme ruim, eu dava esse. Hoje eu vejo que sim, há um lugar no purgatório, que dirá no inferno, me esperando por essa heresia. O filme de James Ivory transpõe para a tela uma das melhores adaptações já feitas pelo cinema, inclusive por algumas mudanças, como transformar dois personagens diferentes em um só: é um privilégio ter o saudoso Christopher Reeve em cena por mais tempo. São cenas cheias detalhes tão pequenos e tão significativos, são olhares que, no seu silêncio, dizem tanto. Um gesto, uma frase, uma entonação, até mesmo a falta de uma lágrima diz mais do que se ela corresse em rios. É uma história sobre mordomos no começo do século XX, no melhor estilo Downton Abbey (informe-se). Então, o grande recurso e a grandeza estão na economia de gestos, mesmo que não haja nos personagens economia de sentimentos. E isso, para ser apreciado, é necessário certa dose de maturidade e sensibilidade. Então me desculpe juventude, isso não é Crepúsculo (me crucifiquem!). É um romance sobre a dignidade do ofício, sobre as escolhas de se ser uma profissão, muito mais que simplesmente atuar nela. Um romance sobre a grandeza do que se faz em detrimento dos próprios sentimentos. Chega a ser também um mini tratado sobre alienação, já que em certos momentos abre-se mão do senso crítico por uma fé cega na superioridade de outros indivíduos (no caso, os patrões). E alguns desses temas do filme nos dão a lição tomar cuidado com cada pequena escolha que se faz na vida, pois elas podem desaguar num fim infeliz; a lição de pensar por si mesmo sobre as questões que nos dizem respeito, sobre perceber o tempo de agir e agir, de fato. Nenhum outro ator daria tamanha sensibilidade ao personagem Stevens do que Anthony Hopkins. Uma pena que apesar da indicação ao Oscar, não acabou ganhando, mas para mim ganhou. Fica um pequeno trecho do poema de Robert Herrick: colham botões de rosas enquanto podem,
o velho Tempo continua voando:
e essa mesma flor que hoje lhes sorri,
amanhã estará expirando [...].
CONCLUSÃO: NOTA 10, NÃO HAVERÁ FINAL FELIZ SE VOCê NÃO O FIZER ACONTECER.
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otxjunior 11/02/2015

Os Vestígios do Dia, Kazuo Ishiguro
Assim como em seu romance mais famoso, Não me Abandone Jamais, temos no anterior Os Vestígios do Dia uma estrutura de memórias fragmentadas, vindas à tona quase que subconscientemente pelo narrador. Mas aqui o talento de Kazuo Ishiguro é ainda mais nítido pela peculiaridade de seu protagonista. Pois não acreditamos com facilidade no que o narrador decide revelar e muito do que apreendemos está no não dito, assim que vamos percebendo a personalidade insípida de Stevens. Mordomo por longa data, Stevens não está acostumado a expor seus sentimentos e opiniões, suas apreensões são apenas sugeridas já que provavelmente o assombram demais a ponto de não admiti-las para si mesmo. O medo de seu trabalho devotado e lealdade terem sido em vão, agora no período em que a cultura de mordomos está se extinguindo, é sobreposto por seu princípio de dignidade da profissão, herdado do pai, também mordomo.
Stevens é forçado a analisar sua carreira/vida quando parte em uma viagem para visitar a antiga governanta com quem trabalhou numa mansão rural na Inglaterra. Em Darlington Hall, ambos tiveram um relacionamento que poderia ter sido desenvolvido em um romance senão o profissionalismo exacerbado de Stevens. Este parecia não ter vida fora do trabalho e acreditava estar colaborando, no exercício de sua função, mesmo que nos bastidores, para os grandes planos da humanidade, já que a mansão era palco de reuniões políticas decisivas entre os aristocratas de diferentes nacionalidades no período entre Guerras. Fui marcado particularmente pelo momento em que Stevens é confrontado com as inclinações nazistas de Lorde Darlington, mas mantém-se fiel à memória do nobre, mesmo após muitos anos de sua morte.
Belamente escrito e com um final que respeita o histórico do personagem, Os Vestígios do Dia apresenta um homem perdido e solitário em um mundo em mudanças, ainda que este não esteja pronto para mudar e para aquele, mudanças não são da sua natureza.
Nanci 11/02/2015minha estante
Lindo livro! Gostei da sua resenha.




jota 04/06/2011

Salve Kazuo Ishiguro
O prólogo de OS RESÍDUOS DO DIA é muito saboroso: o autor coloca em oposição o modo de pensar de um clássico mordomo britânico e de seu liberal patrão americano. Tudo com muito refinamento (senão não seria inglês, não?).

Depois disso vêm as afiadas (ou refinadas) observações do mordomo Stevens acerca de sua profissão, patrões, colegas de profissão e de seu pai. Este, reduzido a um submordomo sob as ordens do próprio filho. Embates e debates finamente servidos pelo talento de Kazuo Ishiguro.

Prosseguindo, já próximo da metade do livro, passei por páginas dignas de P. G. Wodehouse (de Obrigado, Jeeves e outros livros); o mordomo Stevens é encarregado pelo patrão de falar sobre os "fatos da vida" ao filho de um amigo, um rapaz de vinte e poucos anos, inexperiente em sexo. Como se o mordomo tivesse muita experiência no assunto. Simplesmente hilariante.

O mordomo Stevens é mesmo um filósofo. Consegue tornar interessante (e até engraçado) outro trecho do livro em que é colocada a questão do "polimento da prataria", um assunto de real importância para os ricos proprietários ingleses e seus empregados. Outras questões são abordadas, algumas bastante sérias, como a questão judaica e a amizade do antigo patrão com um declarado alemão nazista.

O final vai se aproximando com um pouco de melancolia (ou nostalgia), mas Ishiguro não deixa a peteca do mordomo Stevens cair. Ele parece bastante ansioso para servir novamente o patrão que lhe concedeu alguns dias de férias. Férias essas que lhe permitiram fazer suas reflexões e relembrar o passado. Que é basicamente o conteúdo do romance

Daria 4,5 por tudo. Não dei 5 pois deixei para ler o conto Depois do Anoitecer por último (ele vem depois do romance). É muito inferior ao que li antes, daí a nota menor. Sugestão para quem for ler o livro: leia o conto antes (não tem nada a ver com o resto do livro; nem parecer ser do Ishiguro) e o romance depois.
Daniel 11/06/2014minha estante
Eu reli este livro depois de ficar obcecado pelo seriado Downton Abbey. É um livro muito, muito bom.


jota 11/06/2014minha estante
Daniel: não vi o seriado. Depois de ler o livro quis ver o filme baseado no livro do Ishiguro - Os Vestígios do Dia (1993)-, que é tão bom quanto, achei. Guardadas certas proporções esse Ishiguro me lembrou um pouco o E. M. Forster de Howards Ends, outro livro e filme muito bons mesmo.

A Inglaterra é sempre interessante, seja no passado distante ou recente. Ontem, terminei de ver o quarto e último episódio de Norte e Sul (2004), minissérie da BBC (são as melhores em adaptações literárias) baseada na obra de Elizabeth Glaskell.

Norte e Sul (2004) pareceu-me um misto dos livros de Jane Austen (parte romântica da trama) e Charles Dickens (enfoque no aspecto social, trabalho infantil, relações trabalhadores x mestres - como eram chamados os proprietários das indústrias fabris. Tem o livro homônimo, no qual a minissérie foi baseada, que parece ser muito acima da média. Escritora viveu no século XIX, então o relato parece ser bem próxima da realidade inglesa de então.

É isso. Um abraço.




Claire Scorzi 07/02/2009

Beleza Incomparável
Kazuo Ishiguro poderia ensinar umas coisinhas a Vonnegut, por exemplo, como contar uma história sem pieguice mas profundamente tocante. Não ficamos frios diante desse romance belíssimo, complexo com aparência de simples (complexidade pelas impressões que provoca, não por questões de estilo: Ishiguro não cria palavras nem inverte a seqüência da narrativa nem faz outros malabarismos na forma), contido e tão belo que mesmo na tradução as palavras parecem estar todas no lugar exato. Repito a qualificação da beleza, "belíssimo", "tão belo". Porque é assim. A história de Stevens, um dos personagens inconscientemente infelizes de Ishiguro (outra é Kathy, de "Não me Abandone Jamais") pode fazer pensar sem esforço do autor, ou comover sem que se saiba explicar direito.
Talvez o mais próximo seja dizer que a leitura de "Os Resíduos do Dia" gera emoções diversas - de saudade, de perda irreparável, e de coragem.
Vivi 12/09/2013minha estante
Alguém sabe o nome do filme que foi baseado neste livro?


Daniel 24/01/2014minha estante
O filme cham-se "Vestígios do Dia", com os excelentes Anthony Hopkins e Emma Thompson




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