Andre Felipe 05/08/2020Uma clássica e interessante Ópera Espacial O Rei das Estrelas (The Star Kings, 1949) é a primeira ópera espacial que leio e devo dizer que Edmond Hamilton me surpreendeu bastante. A escrita dele é envolvente. Apesar de ser do finalzinho dos anos 40 e emular nas entrelinhas elementos inerentes à guerra fria, o livro não me pareceu datado. Apresenta uma história interessante, com reviravoltas, um bom protagonista e uma aventura gostosa de se acompanhar.
A história narra a incrível jornada de John Gordon, um ex combatente entediado com a atual rotina de escritório, que após ser contactado telepaticamente pelo príncipe futurista Zarth Arn, aceita trocar de corpo com o mesmo e viaja até dois mil séculos no futuro. No entanto, as coisas não saem bem como planejado e Gordon precisará enfrentar o maquiavélico Shorr Kan, líder da Liga dos Mundos Escuros, para defender a paz na galáxia e arrumar um jeito de voltar pra casa.
O enredo segue bem a conhecida jornada do herói, ficando mais próximo do clássico, que do clichê, como ocorre sempre a uma boa arquitrama. Apesar do final não ser perfeitamente conclusivo, a trama linear possui um desfecho satisfatório, sugerindo a possibilidade de uma continuação. Que de fato aconteceu. Não só uma, mas três continuações para ser mais preciso: Return to the Stars (1968), "Stark and the Star Kings" (2005) e The Last of the Star Kings (2014).
Infelizmente, até onde sei, nenhum desses livros foi traduzido para o Brasil.
Os elementos sci-fi presentes na obra remontam o período clássico em que a ópera espacial se desenvolvia, sobretudo através das revistas Pulp. A explicação sobre como as naves conseguem atingir grandes velocidades e trafegar pela galáxia é apresentada de forma funcional, tal qual também é a tecnologia dos equipamentos e armas utilizadas. Além disso, a dinâmica entre as nações que formam os conglomerados da galáxia me deixou interessado em saber mais sobre cada cultura.
A descrição de Throon, o planeta capital, e dos costumes enfatizados na "festa das luas" enriquecem a experiência da leitura. É uma escrita simples e prática, sem muitos rodeios. As batalhas são pontuais e pouco emocionantes, acontecem somente quando necessário. Ainda assim, têm seu peso dentro da narrativa conforme destaca ou descarta alguns personagens.
A maior parte destes, com exceção de Gordon, não têm tanto desenvolvimento, mas cumprem bem seus papéis e ornam a narrativa. A princesa Lianna não foge muito ao padrão relegado às mulheres da época, mas nem por isso é fraca ou submissa. Torna-se o braço direito de Gordon em sua aventura. O relacionamento dos dois é interessante pelo fato de estar envolto a segredos e empecilhos. Ainda assim, convida o leitor a torcer por eles.
Mesmo com pouco espaço, outros personagens possuem bons momentos na trama, seja do lado dos vilões, seja do lado dos heróis. O maior antagonista do livro, Shorr Kan, é um personagem muito interessante. Apesar de ter tudo para ser estereotipado, me pareceu seguir mais um arquétipo vilanesco que com base na trama e nas descrições de Hamilton, se encaixa numa representação alegórica da ameaça comunista propagada pela União Soviética após a 2ª guerra mundial.
Essa perspectiva norte-americana do conflito ideológico contra a URSS, reflete o que o autor vivenciava em seu tempo. Misturada aos elementos sci-fi, a trama alude a todas as implicações comuns àquela época, desde espiões infiltrados até a óbvia relação com a corrida espacial. Simplesmente a guerra fria refletida num conflito intergalático a ser definido por aquele que tiver, ou se apossar, da arma mais destrutiva.
Essa busca pelo poder que sobrepujará a nação inimiga ganha uma camada a mais ao revelar através da relação entre Gordon e Kan, uma dinâmica de identificação mútua entre os personagens antagônicos. Guardadas as devidas proporções, apesar de possuírem lados e convicções opostos, a relação entre ambos é a mesma que equipara dois rivais em uma disputa: o respeito de quem vê no seu oponente a mesma vontade de vencer.
Como sugere o narrador no seguinte trecho:
"Gordon sentiu uma estranha, aguda emoção. A vida é imprevisível. Não havia nenhum
motivo para que ele gostasse de Shorr Kan. Mas via agora que gostara."
No entanto, ao passo que esse traço competitivo os equaliza, a forma como agem diante de suas convicções, os separa. Gordon e Kan são falhos como qualquer outro ser pensante, mas sob pressão, Gordon age de forma assertiva e por isso se destaca positivamente. Se deixarmos de lado as possíveis alusões, representações e alegorias, veremos que a história engrandece seu protagonista ao fazê-lo agir com hombridade e responsabilidade.
A obra reflete bastante essa questão de como agir diante de situações adversas. Gordon é um homem primitivo para o futuro de Zarth Arn, mas sua sensatez o faz sábio em qualquer época. É justamente a cautela e a responsabilidade com as quais opta por agir em todas as provações que passa, até mesmo as que lhe causam medo, que definem não só o seu caráter mas também a sua glória.
Sendo assim, posso afirmar que "O Rei das Estrelas" é um livro que superou minhas expectativas. Mesmo sendo um produto de seu tempo, a obra diverte e vai além de uma alegoria à guerra fria. Ela contempla o leitor com uma história sobre um homem comum e ordinário que aproveita a chance de vivenciar algo novo e não decepciona. Acaba voltando com a certeza de que não precisa ser diferente de quem é, pois é suficientemente bom a si mesmo e ao universo.
Um herói para além do espaço-tempo. Homem da Terra, Rei das Estrelas.