Dani Ferraz 30/07/2021
"Agora entendo minha angústia diante do muro de Berlim..."
"Vim me desajustando. Passei anos tentando encontrar meu lugar. Até chegar a uma conclusão simples: não tenho lugar. Nem quero ter. Minha angústia era não admitir o não lugar".
Breno é um escritor brasileiro de 41 anos que se mudou para Berlim após o término de sua relação com Luciana e também para fugir do caos brasileiro que envolvia reabertura política e redemocratização na época. Ele, homem que escorregava para fora de todos os rótulos e se alegrava quando não lhe era atribuída nenhuma definição cabível, acreditava que lá seria um bom local para o seu recomeço.
"O beijo não vem da boca" é uma frase proferida por Luciana - "mulher solar" - na qual ele deixa escapar entre os dedos. Ela discorre alguns parágrafos sobre a entrega dentro de um relacionamento e demonstra o quanto de sentimento vem implícito junto com o tocar dos lábios, e se este não levanta, não sustenta, não anima, não tem como voltar, não é possível rebobinar ou voltar atrás como o próprio protagonista fazia muitas vezes com os seus videotapes (um de seus hábitos era gravar videotapes).
Uma das partes fenomenais do livro é quando ele descreve "o que é ser brasileiro"? - na visão de Breno que observava o país da Alemanha -, além de alguns diálogos interessantes sobre sexismo realizados com Ana, que o desvenda em vários momentos como sendo machista e incurável sedutor. Ao ler algumas análises sobre a obra, vi uma frase de Loyla que diz que Ana é o seu melhor personagem feminino. E quem é a Ana? Um romance de adolescência que retorna algumas décadas depois trazendo um desfecho feliz para a história.
O protagonista ao meu ver é a figura mais estafante de toda a narrativa, parece que tudo em sua vida e em seus dias é inconclusivo, sua vida é feita de capítulos, onde ele troca os episódios de lugar mas parece não chegar a lugar nenhum, vive de uma inquietação notável e transpassa isso para os seus relacionamentos ao passo que ele mesmo nota ao fazer um paralelo de sua vida com a do muro de Berlim "... não tinha saltado o muro, ele continuava diante de mim, me dividia entre o que quero e posso ser e o que não me deixam ser". Ou ainda na visão de Luciana "o que não sabem é que você construiu um muro à sua volta. Por isso Berlim deve ser familiar, você é especialista em muros...".
Em suas trocas de cartas (outro hábito do protagonista) e conversas informais, aparecem personagens interessantes que dão vozes mais dinâmicas à narrativa com histórias marcadas por dor, saudades, crises políticas, ideologias e é claro o amor. E são com essas participações que a narrativa parece fluir, mas não, são muitas idas e vindas, devaneios, passado e presente, momentos vividos pelo autor e momentos que ele parece contar ao leitor. Confesso que me perdi muito na história e muitas vezes a leitura se tornou cansativa e um pouco maçante, por isso atribuí aquela avaliação, enfatizo que ela não passa de uma mera opinião própria, quem sou eu para avaliar como negativa uma obra de um dos maiores escritores brasileiros?
Lançado em 1985, o livro possui seis edições e a leitura da qual a resenha foi feita refere-se à de 2009 que especialistas dizem ser bem mais enxuta que as anteriores. Uma história de um personagem falando de si para si que exige uma grande maturidade leitora.