Fabio Brust 14/10/2012
"Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas", de Raphael Draccon
Eu conheci a trilogia Dragões de Éter só de ouvir falar, e faz bastante tempo. Vi sua capa bonita, que depois descobri ser remodelada da edição anterior. Foi com meu companheiro de Bienal do ano passado, Lodir Negrini, que eu conheci realmente a trilogia e me interessei: quando ele conseguiu um autógrafo do Raphael Draccon e eu estava junto para conversar com ele. A primeira coisa que eu disse foi: "Porque os livros não têm números na capa?".
Ele entendeu o que eu estava querendo dizer. Fato é que uma trilogia é composta por três livros (ah, sério?), e normalmente é necessário que, na capa, esteja impresso qual dos livros você vai comprar. Isso aconteceu com um colega meu, que comprou o volume 3 e viu-se lendo a trilogia do avesso só porque o produto não tinha um dado fundamental em sua fronte. E eu só não tinha lido ainda porque não sabia qual era o primeiro, e era muito orgulhoso pra pesquisar pra comprar.
De qualquer maneira, quando uma promoção apareceu e eu decidi que era hora de dar uma chance à história, foi quando vi que deveria tê-lo feito antes: Dragões de Éter é ótimo.
A ficção fantasiosa de Raphael Draccon dá muito certo. A história tem um estilo de que seria contada por um bardo em uma taverna a respeito de acontecimentos do reino de Arzallum e da cidade de Andreanne, e nós somos os embasbacados ouvintes de suas palavras, imaginando cada cena com um detalhamento exemplar. O estilo da narrativa é bastante otimista, com pontos de exclamação em diversos momentos e frases de efeito que funcionam. Claro que algumas ficam forçadas e nem sempre se encaixam como deveriam, mas essas são minoria.
A ideia de fazer uma releitura de contos de fadas não é tão original assim: temos, por exemplo, filmes como "A garota da capa vermelha", "Branca de Neve e o caçador", "Deu a louca na Cinderela", entre outros. Original mesmo é criar uma nova mitologia em torno dessas histórias e entrelaçá-las de uma maneira totalmente verossímil e que faz muito sentido no todo. Com muitas referências a diversas histórias, esse o maior ponto forte do livro: conseguir mesclar uma história nova com algumas já manjadas e bem conhecidas do público (o que gera, automaticamente, uma identificação).
Outra coisa que é excepcional são as referências a outras obras e à cultura pop, como evidenciado na própria orelha do livro. Diversas delas são muito bem escondidas e são compreensíveis apenas àqueles que conhecem tais obras. Uma delas foi a que mais me fez rir no livro inteiro: uma forte ligação com O Segredo da Ilha dos Macacos, jogo pelo qual eu era apaixonado na minha infância, em relação à bebida que os piratas estavam tomando. Grogue.
Toda a trama é voltada à caça às bruxas, e é bastante original, sim. Ainda assim, há um ponto que me incomodou ligeiramente: a questão do bem e do mal. Sou bastante enfático quando digo que meus personagens são apenas pessoas, sem serem essencialmente boas ou ruins. Por outro lado, as personagens de "Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas" encontram-se ou em um extremo, ou em outro. Axel cede o corcel de seu pai para uma velhinha apenas por sentir compaixão por ela, enquanto que Babau passa anos querendo se vingar por apenas malvadeza. Fugindo desses estereótipos, encontra-se Snail Galford, apenas um ser humano que tem intenções e vontades e desejos. Ou seja, alguém normal. Um personagem admirável, com uma história que culmina em alguns arrepios com sua história e com seu pai.
Levando-se em conta todo o projeto gráfico, a capa do livro é bastante bonita, aproveitando a ilustração da versão original e criando uma identidade que seria seguida nos dois livros seguintes, com a porção superior da capa em branco. A arte do título também é muito criativa. E, por algum motivo, a troca de fontes de Charlemagne, no livro 1, para Trajan, no 2, e de volta para Charlemagne no 3 me incomoda. Mas coisas de pessoas chatas como eu.
No miolo, o livro não impressiona, mas apenas cumpre seu papel. Os capítulos seguem direto, sem um respiro entre eles, mas é compreensível em uma obra tão grande e com capítulos tão pequenos. Seria um desperdício de espaço colocar branco no final de cada um deles. Assim, aliás, a leitura fica mais fluida do que se isso fosse feito. Não muito inspirados, os começos de capítulo só têm uma capitular grande em uma fonte de estilo gótico, mas que combina com a ideia de contos de fada proposta, além de aparentemente ser adequada em relação à arte do título.
Por fim, a balança em relação a este livro pende fortemente para o lado positivo. "Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas" é um ótimo começo de trilogia, além de começar e terminar uma história, como se funcionasse como um livro só. É com esse tipo de livro que vemos o quanto os autores brasileiros também têm a oferecer ao público e devem ser levados (muito) em consideração.
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