Felipe1503 02/05/2011
Discutir o trânsito brasileiro hodiernamente parece ser uma tarefa das mais dispendiosas e cansativas, exigindo paciência, compreensão e um tanto de psicologia. Por isso, comumente diz-se que a análise do tráfego é destinada a poucos. Estes tentam mostrar a face obscura dos impactos do trânsito sobre a sociedade - mortes por imprudência, excesso de bebida, a imperícia de alguns condutores, etc. É verdade que toda regra tem sua exceção: a figura imaculada de alguém que tenta seguir as regras de trânsito no Brasil luta para tentar sobreviver às buzinas e à falta de educação daqueles que acham erroneamente que a rua é um espaço privado e hierarquizado.
Entre os poucos que se dedicaram ao debate que envolve o trânsito, Roberto DaMatta notabilizou-se pela pesquisa que deu origem ao livro "Fé em Deus e pé na tábua". Seguindo o fio condutor de algumas outras obras, DaMatta discute a problemática social, só que agora a partir do trânsito : a questão da superioridade e hierarquia dos carros individuais, vistos como totem de superioridade pessoal, a impaciência dos motoristas com os pedestres e ciclistas, a visão do outro condutor não como cocidadão, mas sim como um inimigo, etc. Em suma, DaMatta mostra uma sociedade brasileira possessora de um trânsito distópico, ou seja, uma ‘utopia negativa’, caracterizada pelo totalitarismo (o estilo fascista de dirigir, expressão cunhada pelo autor), assim como uma sociedade corruptível, onde as normas referentes a todos mostram-se flexíveis (o famoso 'jeitinho' e o ríspido 'Você sabe quem com está falando?'). Assim, DaMatta conduz com maestria um assunto que muitas vezes é tratado com indiferença e deixado de lado pela maior parte dos motoristas e pela própria população.