Alê | @alexandrejjr 08/10/2021
O destino impreciso dos encontros
Eu acredito ser consenso entre leitores o fato de que um bom livro é aquele que gera, de alguma maneira, uma surpresa. E, em geral, essa surpresa pode vir de duas maneiras: pela história ou pelo formato. Portanto, um bom livro deve se sustentar ou pela narrativa ou pela linguagem, sendo a união entre esses dois elementos o mundo ideal. “Um erro emocional”, romance lançado logo após o estrondoso sucesso - em termos de literatura nacional, claro - de “O filho eterno”, faz parte da segunda turma.
Um enredo mais simples seria impossível: Beatriz recebe, à noite, uma batida em sua porta do escritor Paulo Donetti e a primeira frase dele ao vê-la é “cometi um erro emocional”. Com esse gancho inicial convidativo, Cristovão Tezza mostra, ao longo das páginas seguintes, toda a sua habilidade enquanto ficcionista. Com uma técnica notável, o autor suspende o tempo real (dos leitores) e o irreal (da narrativa) para apresentar suas personagens. A verdade é que o motivo pelo qual Paulo Donetti apareceu à porta de Beatriz - que é fã do escritor - deixa o primeiro plano para dar lugar às inquietações da dupla.
Entre idas e vindas, lembranças e percepções, acabamos conhecendo mais sobre essas duas pessoas comuns. Paulo Donetti é um escritor paulista de 42 anos em crise - um clichê clássico! - que tem traumas da influência do pai (Freud deu um alô) em sua adolescência, traz consigo a amarga sensação do fracasso por acompanhar a ascensão de seu pupilo, o “prepotente” Cássio, tornar-se o sucesso que ele não se tornou e viveu um casamento frustrado com Antônia. Beatriz é uma jovem curitibana, profissional do mundo editorial, que carrega em sua vida marcas de uma tragédia familiar e de uma vida amorosa marcada por traições (dela e do ex-marido). Essas duas almas perdidas acabam se conhecendo um dia antes do desenrolar do romance, em um jantar entre amigos, e acompanhamos o eixo principal da narrativa através de uma conversa de Beatriz com uma amiga. O interessante disso tudo é que todas essas informações são reveladas aos leitores mas não às personagens, que sabem muito pouco entre si - afinal, os diálogos presentes no romance não ocupariam nem quatro ou cinco páginas do livro.
É clara como água cristalina a montanha de recursos metalinguísticos e metáforas sobre a relação entre autor e leitor. Este é, sem dúvidas, um livro sobre literatura.
Apesar de reconhecer que este tipo de romance não deve agradar a maioria, devido ao fluxo constante de pensamentos e os raros diálogos, eu curti o livro. Aliás, ele desfez em mim um pouco do ranço que ainda resta em relação ao famoso livro do autor, “O filho eterno”, que eu não achei - à época que li, na minha adolescência - grande coisa. Aqui, o desafio me pareceu mais ambicioso e eu gosto disso. Eu gosto de ser surpreendido, mesmo que a surpresa se passe em poucas horas durante uma noite em Curitiba entre taças de vinho, pizza e chá.
Como o destino dos encontros é impreciso, todos nós sabemos disso, Tezza deixa o final aberto para que cada leitor consiga resolver da melhor maneira o que acontece entre os dois após tímidas e atabalhoadas investidas. Mas, se assim como eu vocês também quiserem ler mais sobre o universo da dupla, vale conferir “Beatriz”, livro de contos em que Tezza dá, de certa maneira, mais informações sobre Beatriz e Paulo Donetti e expande o próprio universo.