Mekare 18/03/2014
Trechos:
Que obra!!!
Quarup
...esse último Adão (o índio)...Mas no limiar do século dezessete, quando iniciaram sua obra, os jesuítas sentiram q Deus lhe entregava, em condições históricas, o homem em branco, o homem a ser escrito. O jardim do Éden se replantava aqui de acordo com todo o saber da Europa. ... Qdo perderam suas reduções confederadas em República, os guaranis construíram cidades, fabricaram foices e alaúdes, martelos e órgãos. ... A produção comum entrava para os armazéns comuns e se distribuía entre todos para el bien común. As mulheres recebiam o fio e entregavam os tecidos. Não havia nem salário, nem fome. Isto não é lenda, é história. O q os jesuítas chegaram a anunciar, e o mundo esqueceu, é q o homem não precisa de milênios para desbastar em si a imagem de Deus q está no fundo. 23
...Leslie, talvez para sacudir o tédio reinante, veio com sua estranha história do mundo criado e governado pela Virgem.
..os holandeses de Nassau (Maurício de Nassau!!) teriam deixado sua marca no Brasil... Há sinais de uma curiosa heresia q eles provocaram em Pernambuco e na Bahia... Desanimados de rezar a Deus,q não parecia socorrê-los, deram uma espécie de golpe de Estado e puseram em seu lugar a Virgem Maria.
Pois teriam até construído capelas em q Deus, o trânsfuga q se passara para o lado dos holandeses protestantes, fora finalmente destronado por Maria q em todo o caso jamais tinha perdoado o sacrifício do filho na Cruz. Jesus devia ter sido salvo, como Isaac, e no entanto Deus o deixou morrer.
...há trechos no livro dos Sermões, de Padre Vieira, bem estranhos, q parecem confirmar os indícios da heresia...
- (Levindo) ...Brasil Holandês e Virgem Maria!? Deus me proteja! 24
Pecado é o sistema vigente. O pecado tbm é comunizado. A alma do individuo acabou. Existem só dois pecados: o pecado ativo e glutão dos q e aproveitam do regime vigente e o pecado negativo e abjeto dos q não se rebelam contra tal coisa.
um crime passional na classe rica demonstra a decadência, a ociosidade da classe. Entre os pobres ele demonstra a exasperação a q leva a miséria. Culpa, culpa pessoal, intransferível, não existe. 42
Ah, Senhor, por que sofriam os homens, se assim acabariam, ossos sobre ossos, sobre ossos, sobre ossos, à espera da trombeta do juízo que de novo os galvanizasse em remoinhos de remorso? 57
...A exposição ao sol de uma ferida secreta não trazia a cura, talvez, trazia moscas... Voltava ao mosteiro ou ia diretamente ao ossuário? Sentia-se apto a morar ali. Não com as esperanças de André (a da volta do Messias). Para sentir-se descarnar dia a dia. Morrer quietinho por falta de apetite para a vida. 62-63
- Saúde, saúde perfeita não é nada, não leva a nada. A gente só sabe que tem aquilo q dói. O brasileiro quer q doa tudo, naturalmente. (Ramiro) 100
...Agora podia pregar com alfinetes os versos q outrora deixava voar longe de si como borboletas mortais. Carmina Burana? Catulo? Venâncio Fortunato? Ou Tíbulo refletido no Tagebush? Sem duvida Ovídio: "Não é a arte que faz voar os barcos rápidos com o auxílio da vela e do remo? que guia na carreira os carros ligeiros? A arte tbm deve governar o amor... Não abandona em meio caminho tua amante, desfraldando sozinho tuas velas. É lado a lado q se arriba ao porto, quando soa a hora da volúpia plena e, vencidos a um só tempo, jazem a mulher e o homem lado a lado. Foge ao medo q apressa, à obra furtiva" ... "O prazer que se adia é o mais profundo." Sustentata Venus gratissima. Sem a menor possibilidade de dúvida o alarmante Petrônio: "O coito em si é revoltante, breve, e um cansaço, um enjoo é o que se segue. Não nos lancemos a ele em desvario, cegos e brutos como bicho em cio: o amor vacila e se apaga, assim. Mas num feriado sem fim, assim, assim, deitemos um contra o outro, em longo beijo, e assim fiquemos sem esforço ou pejo. Gozemos para sempre deste gozo, que sem nunca morrer nasce de novo". 113
(Lídia)...só conheço Catulo de ler os versos dele na capa do disco de Carl Orff; mas não lhe aconselho a ouvir Catulli Carmina não, é a coisa mais carnal q já escutei. 113
(Lídia) - Ontem vc olhava, com incompreensão igual a minha, a inocência com q se tocavam (os índios). Mas vc sabe q de quando em quando ocorrem aqui tremendas surras de marido traído em mulher?
Para Otávio foi um golpe fundo a descoberta de q índio tem ciúme de alguma espécie.
Otávio acreditava de tal maneira na naturalidade do amor livre e na possibilidade de destruir por completo o ciúme burguês q teve sua única rixa com Lênin a esse respeito. Otávio achou o cúmulo qdo leu em Clara Zetkin q Lênin não aprovava a teoria do Copo D´Água, destruindo assim uma das mais formosas promessas da Revolução à humanidade.
...só mesmo a fome é pior q aquela sede. Fizemos um tal mistério da coisa que eu duvido que se encontre hj alguém q não tenha alguma esquisitice sexual, ou não se considere sexualmente bizarro de alguma forma. 139
Otávio é um lutador e a gente só luta contra aquilo que respeita em si mesmo. Ciume por exemplo ele sente muito ainda q não confessasse nem sob tortura. 140
(Sônia) Vontade de andar em pêlo feito os índios. Roupa é besteira, andava nua se a policia deixasse. Calcinha, soutien, blusa, puxa. Homem é q gosta de ver a gente tirar um a um e q gracinha e não sei mais o quê, como se todo o mundo não tivesse mama e o resto. Esses mulatões desses índios com cara de japonês anda tudo nu em pêlo mas mulher, ah! não isso não, não pode. 165
Maivotsinim criou a raça humana fazendo quarups, com os quais criou os homens. Homens como Canato, Sariruá, Apucaiaca e o Anta, que agora faziam quarups para criar Maivotsinim. 187
"... a gente só tem uma fração pequena um décimo da gente do lado de fora e que o resto é por dentro." Lídia
...Quando veio o prazer Francisca o fechou em lábios e pétalas quentes sem nenhuma palavra e Nando descobriu o gozo que é profundo e contínuo como mel e seiva q se elaboram no interior das plantas. Se de quando em quando separavam boca ou ventre era para melhor se verem um instante e constatarem com assombro que eram ainda duas pessoas. De novo se perdiam um no outro sem mais saber com q lábios sentiam os lábios do outro ou quem possuía e quem era possuído, ambos sem rumo q não fosse o outro pois viviam um no outro e se detestariam quando uma vez mais estivessem sozinhos depois de haverem vivido tamanha soma da vida. Entraram na água fresca do furo cheios ainda de desejo, não desejo de fome q estavam saciados, mas desejo de moradia um no outro pois nenhuma razão reconheciam como válida para serem dois. Ainda pingavam água nus e sorridentes qdo Nando constatou desapontado q seu próprio sexo não estava no ventre liso e flexível de Francisca e que nem no seu peito de homem floriam os pequenos seios dela. 248
...os finos dedos sábios em que dormiam tantas caricias sem uso e sem emprego. 335
... Se se sentir bem dona de vc ela passa a ser a sua escrava. (:\)
Todos nós sabemos q nascemos para ser adorados. A morte vem como tal surpresa para quase todo o mundo pq quase ngm sabe como encontrar pelo menos em uma outra criatura a adoração q é herança e direito da gente. A surpresa vem da impressão de q a morte chegou antes do encontro. Esta todo o mundo em busca dum altar desses. 387-388
...Nando a beijou na boca com ternura mas os lábios de Margarida vieram ao encontro dos seus com veemência, cheios de uma gula além da carne mas q exigia o testemunho da carne. 390
TODO HOMEM TEM VERGONHA DE PRECISAR DE AMOR. 416
Defesa a gente só usa contra os amigos e mulher q a gente ama. Só a opinião deles é q pode alegrar ou mortificar, Manuel. A gente só entra franco e de peito aberto nos inimigos. 419
(Manuel) – Esse jantar está parecendo assim dia da gente botar as coisas num molde em vez de deixar as coisas acontecer em volta da gente. Não tem dias assim? A gente manda no q ainda está do outro lado, a gente faz com as mãos da gente o q das outras vezes a gente espera e pede a Deus. 419
E Nando estremeceu quando entendeu por que a homenagem tomara forma de jantar. Ia devorar a lembrança de Levindo, devorar Levindo, incorporá-lo, nutrir-se dele. 427
...Pregou o olho restante nos gigantescos painéis. O 1° era o da Crucificação. Cristo morto na cruz e a Madalena aos seus pés, chorando entre outras mulheres. Os apóstolos apavorados voltam a cabeça para não verem nem o mestre morto e nem a fenda nas nuvens por onde se debruça Deus. No meio do quadro Maria desgrenhada e convulsa de cólera ameaça Deus com o punho fechado. No quadro central Maria ascende aos céus, Maria nua, subindo das ondas do mar sobre uma concha, cabelos de chamas longas e vivas beijando-lhe os seios e os flancos como um incêndio submisso, Maria ascendendo sobre o mar coalhado de barcos onde apóstolos, mulheres, soldados romanos acompanham com temor mesclado de esperança sua subida tranquila a um céu entreaberto onde Deus formidável de cenhos cerrados parece aguardar apenas o momento de fulminar em vôo Maria assunta. No 3° quadro Maria na plena glória do céu sentada em sua concha que veio repousar no trono de Deus, mil serafins e querubins esvoaçando em torno do seu rosto e dos seus seios, as santas do céu cantando à sua volta. E Deus morto no chão. Um homem morto. 454
Tem uma hora na vida que é da pressa. Mas essa hora da pressa a gente tem q preparar muito devagarinho, às vezes a vida inteira. (Manuel) 458
Nessa vida ngm muda de profissão não, seu Nando.
- Na vida da gente só capricho é que é coisa de gravidade, seu Nando.
- mas a gravidade do capricho mora no caprichoso. Ele é que tem q pagar o preço. 461
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período histórico do livro: da era Vargas ao governo militar de 1964.
Escrito entre março de 1965 a setembro de 1966
"Se com Quarup (1968) e depois Bar Don Juan (1971) retrata aspectos da situação política brasileira, na sua fase anterior como romancista está empenhado em revelar outros elementos da nossa realidade: o misticismo, a superstição, as crenças populares. Assunção de Salviano (1954) e A Madona de Cedro (1957), seus dois primeiros romances, refletem esta temática.