Coruja 04/01/2011Quando comecei a ler esse livro, uma das primeiras coisas que pensei foi... “onde é que já li isso?”. O negócio de pessoas estranhas aparecendo do nada e cumprimentando excitadamente a Zara por algo que ela não sabe o que é me fazia lembrar do começo de Harry Potter, enquanto que todo o conceito da Londres de Baixo e a Londres de Cima remetia-se diretamente a Lugar Nenhum, do Gaiman.
Não direi, contudo, que se trata de plágio ou coisa do tipo, até porque China Miéville é um autor bem conhecido e respeitado por si só, tendo ganho, inclusive, o prêmio de melhor romance no World Fantasy Award desse ano, com The City & The City (e já foi indicado mais tantas outras vezes). Na verdade, tenho certeza que se for pesquisar sobre o assunto da cidade de cima e da cidade de baixo que reflete suas sombras, descobrirei que se trata de um arquétipo e algum mito milenar já tratou do assunto.
Confesso, porém, que talvez por essa sensação de déja vu, não me empolguei tanto assim com Un Lun Dun. Achei o livro cansativo, com seus capítulos curtos que param em determinado ponto e fazem uma repetição antes de voltar à história.
O engraçado é que a história tem algumas reviravoltas geniais, desafiando o padrão do chosen one, o único, o herói, o destinado, o escolhido, o iluminado, o messias... De certa forma, sinto que se tivesse sido escrito de forma um pouco mais fluida, eu talvez tivesse gostado mais do livro, porque Miéville criou personagens extremamente interessantes e situações bizarramente surreais.
Sim, surreais. Tão surreal e incrível e apavorante que mais de uma vez pensei que aquilo era a cara de um filme do Miyazaki. Com as devidas adaptações ao roteiro, dando-lhe um pouco mais de linearidade, o universo de Un Lun Dun é exatamente aquele tipo de realidade fantástica de filmes como Ponyo, O Castelo Animado e A Viagem de Chihiro.
Afinal, onde mais você espera um exército de guarda-chuvas quebrados, uma névoa maligna e senciente que é resultado da poluição causada à época da Revolução Industrial e deseja dominar a cidade, latas de lixo ninja e mais uma caixa vazia de leite como bicho de estimação?
Se eu tivesse de escolher uma única palavra para definir Un Lun Dun, eu escolheria ‘iconoclasta’. É uma história que te pega de surpresa, e que definitivamente quebra aquilo que pensamos saber ao começo.
Não sei se o estilo fragmentário e um tanto repetitivo é um padrão para o autor – como a falta de vírgulas é em Saramago. Considerando que consegui superar meu problema pessoal com a falta de pontuação do português diante da genialidade do cara, farei o mesmo esforço com Miéville. Por suas idéias, pela capacidade de desafiar destino e profecias, pelos personagens e pelos cenários surreais, creio que vale à pena.