Jake Andrade 10/05/2014Operação Massacre(WALSH, Rodolfo; Operação Massacre; tradução Hugo Mader – São Paulo: Companhia das Letras, 2010)
Rodolfo Walsh, nascido em 1927, era um escritor e jornalista argentino que se deleitava na produção literária de romances policiais. Na noite de 9 de junho de 1956, aos 29 anos de idade, encontrava-se em um café de La Plata, jogando uma partida de xadrez, quando um grande ruído foi ouvido e todos se dirigiram à porta do estabelecimento para ver o que se passava: Era um tiroteio. Um levantamento cívico-militar liderado por Juan José Valle contra o governo de Aramburu. A partida de xadrez fora abandonada, e todos saíram correndo. Walsh levou horas para, fugindo do fogo cruzado, conseguir vencer o curto trajeto que o separava de sua casa que ficava de frente ao quartel. Lá chegando, descobrira que sua residência havia sido ocupada pelos militares. Ali tivera a certeza: Odiava a militância, odiava as revoluções, e Perón não lhe interessava. Walsh não sabia, mas naquela noite, milhares de tiros foram disparados e doze homens foram levados para um lixão, sendo supostamente fuzilados. Seis meses após aquela caótica noite, o jornalista, em um bar, se vê de frente com um sobrevivente do massacre: Juan Carlos Livraga. O homem de dentes quebrados e um buraco na bochecha, fruto do trajeto que a bala fizera ao entrar pela sua boca e sair pelo rosto. Ao final da conversa, Livraga afirma haver ainda outro sobrevivente. A partir disto, não se sabe por que, mas Walsh, um homem de antipatia a assuntos políticos, abandonou família e trabalho durante um ano, criou uma identidade falsa e se mudou para o bairro que foi palco dos acontecimentos de 9 de junho.
Assim surgiu o livro Operação Massacre, obra que inaugura o chamado jornalismo literário na Argentina. O livro conta a história de doze homens civis que se reuniram para ouvir um jogo de boxe através do rádio, na fatídica noite de 9 de junho. Pouco antes da meia-noite, quando restavam alguns momentos para entrar em vigor a lei marcial – que concedia direito aos militares sobre as liberdades fundamentais dos cidadãos – a casa onde os homens se reuniam fora invadida por haver uma suspeita de que o grupo estivesse envolvido em uma tentativa de golpe de Estado. Por ordens de José León Suaréz, os doze indivíduos foram encaminhados para a delegacia sob a mira de armas, sem direito algum de revidar. Ali, permaneceram sem acusação formal, e pela manhã foram encaminhados até o lixão da cidade, onde diversos tiros foram disparados. Alguns conseguiram fugir, outros se fingiram de morto, outros realmente morreram. Ao final, seis deles sobreviveram, e Walsh refaz magistralmente a trajetória de todos os envolvidos.
Na primeira parte do livro, Walsh dedica um capítulo à apresentação de cada uma das vítimas do massacre. Há uma descrição detalhada de seus cotidianos, o que causa no leitor a sensação de realmente conhecer o personagem apresentado. Na segunda parte há a exposição dos fatos, onde a narrativa é feita no presente, e entre fragmentos de realidade e frações de pensamentos, o clímax da história acontece: O fuzilamento. Já na terceira parte, há um levantamento de dados. São provas reunidas por Walsh a fim de comprovar a verdade dos fatos e desmistificar versões distorcidas que foram vinculadas na mídia, visto que esta se demonstrava céptica em relação ao fuzilamento, fingindo que nada havia acontecido. De maneira ampla, considera-se que o relato transcorre de forma ágil, e a descrição dos acontecimentos se sobrepõe à caracterização do ambiente e dos personagens, porém não as extingue. A narrativa é cronológica, mas possui pequenos insights, além de traços de escrita característicos da ficção, advindos do hábito de leitura de romances policiais que o autor possuía. Ele não utiliza gírias, neologismos nem metáforas. É uma história um tanto complexa, por ser constituída de um entrelaçado de episódios que, para serem compreendidos, é necessário que se possua um prévio conhecimento sobre o contexto em que fora escrita.
. Dentre os protagonistas da história, o principal deles talvez seja Juan Carlos Livraga, por ter sido o primeiro sobrevivente com que Walsh teve contato, conduzindo-o aos demais que escaparam da morte. Além disso, foi ele, Livraga, quem deu início ao processo que findou por desmascarar Fernández Suárez, confirmando ser ele o responsável pelos fuzilamentos. Tal revelação foi o desfecho da história, não sendo este delongado até o final para prender o leitor, pois no decorrer de toda a trama havia sinais que se encaminhavam para essa conclusão. Já a parcela antagônica da trama, resume-se à clandestinidade com que o brutal ato fora praticado, podendo ser eventualmente materializado na figura de Fernández Suárez e todo o movimento peronista ao qual Walsh não era a favor. Aliás, ao longo da narrativa, o autor demonstra esse ponto de vista, especialmente na última parte do livro, que é o levantamento das provas do crime. O escritor não é um dos personagens, e atua como narrador do tipo onisciente e onipresente, tendo domínio de acontecimentos simultâneos e do que os sobreviventes pensam, isto tudo fruto de suas entrevistas que lhe renderam uma grandeza de detalhes excelente, que em muito enriqueceram a obra.
Operação Massacre fora muito rejeitado inicialmente, e seu autor encontrou grandes dificuldades para publicá-lo, visto que a mídia não pretendia tornar público um dossiê de ataque ao governo. Ainda assim, Walsh foi encontrando espaço para publicação na imprensa internacional, e pouco a pouco sua obra foi reconhecida. Rodolfo fez um trabalho incrível ao escrever esse livro, tendo saído da mera leitura e criação de personagens investigativos, e tomado a forma de uma dessas criaturas que ele construía na ficção. De pacífico social passara a ser um jornalista militante, engajado e perscrutador. Certo tempo após o ocorrido geral, Walsh enviou uma carta à Junta Militar descrevendo toda a sua indignação às formas de repressão que ocorreram, desde a censura à imprensa, até a execução indevida de inocentes, incluindo a sua filha que havia sido morta meses antes. Ao concluir sua carta, escreveu: “sem esperança de ser ouvido, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que há muito assumi, de dar testemunho nos momentos difíceis.” A carta fora enviada em 24 de março de 1977, e no dia seguinte, Walsh foi sequestrado e nunca mais foi visto, sendo tido como desaparecido político.