A Fire Upon the Deep

A Fire Upon the Deep Vernor Vinge




Resenhas - A Fire Upon the Deep


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Paulo 12/07/2017

Essa não é a primeira vez que eu leio algo de ficção científica dura (ou hard sci-fi). Já li alguns contos e romances de outros autores como Greg Egan ou Geoff Ryman. Portanto, eu já imaginei aquilo que eu poderia esperar ao pegar A Fire Upon the Deep. Isso não significa que eu vá ter a minha avaliação previamente feita. Também não significa que eu vá automaticamente gostar de algo. Mas, é preciso destacar logo de cara que o autor fez um trabalho sensacional com a física que ele constrói para o seu mundo. Mas, por que eu não gostei do livro?

A maneira como ele constrói o que pode ou não acontecer ao mundo é sensacional. Basicamente o autor trabalha com três dimensões onde as leis da física funciona de maneiras bem distintas: a Lentidão, o Além e a Transcendência. A Lentidão é onde o planeta Terra fica. A mente das pessoas se desenvolve até certo ponto e, quando as viagens espaciais começam a acontecer e os homens exploram o exterior da galáxia, eles chegam até o Além. Nesta dimensão, a mente dos homens se desenvolve, eles entram em contato com civilizações também mais avançadas e tecnologias como motores que funcionam acima da velocidade da luz. A parte de ficção científica da história se passa em Relay, um grupo de planetas que fica no topo do Além. E existe também a Transcendência onde poderes quase divinos habitam. Não temos muitas informações sobre esta dimensão apenas que os Poderes são capazes de criar ou destruir dependendo de seus objetivos finais. Me parece que quando alguma civilização alcança um certo grau de evolução ela se torna um Poder. Quando algum viajante retorna para uma dimensão inferior de onde ele se encontra, a mente e as tecnologias se adaptam de acordo com o lugar. Uma nave do Além tem seu funcionamento reduzido quando ela entra em uma zona anterior.

As raças também são muito interessantes. Queria destacar três: os Tines, os Poderes e os Skroderiders. Os três são os mais importantes para a história. Os Poderes são inteligências além da imaginação que vivem no interior da Transcendência. Não temos ideia de como eles são e se comunicam com as demais raças seja através de antenas que transmitem aquilo que eles querem ou através de avatares programados para agir em nome deles. Estes poderes possuem uma programação bem direta. Podem ser benéficos e ajudarem na evolução de uma raça ou podem ter um objetivo destrutivo, dizimando ou danificando aquilo que vê pelo caminho. O autor demonstra aqui como é o funcionamento de uma inteligência superior dentro de seu universo. Eu queria ter visto outros Poderes porque acabamos ficando apenas com uma perspectiva meio maniqueísta entre o Old One e o Blight. Os Tines são uma inteligência coletiva formada pela junção de vários seres com o formato de cachorros de pescoços longos que ao ficarem juntos desenvolvem uma linguagem e uma inteligência única. Para ser um Tine desse tipo é necessário ter ao menos três integrantes nesse coletivo. Um grupo de Tines não pode se aproximar de outro, caso contrário as mentes entram em ressonância podendo ocasionar a junção de um grupo pelo outro ou a separação dos dois grupos. Segundo o autor, a sociedade dos Tines é medieval porque eles não são capazes de agir de maneira cooperativa. Já os Skroderiders são um pouco mais difíceis de se descrever. Parecem seres meio planta com tentáculos e que usam uma espécie de veículo sobre rodas para se movimentarem e para guardarem memórias. Isso porque os Skroderiders são seres que possuem uma memória de curto prazo falha. Eles se esquecem de uma informação quando precisam de dedicar a outra atividade. Isso os torna seres mais contemplativos e pacientes. A todo momento vemos o esforço que um raciocínio mais complexo causa neles. Entretanto quando eles se dedicam a uma única tarefa, eles são muito eficientes. Eles são os pilotos e negociadores mais habilidosos do Além.

Toda esta parte física é muito bem construída e extremamente coerente. O autor criou uma série de "leis" que funcionam corretamente dentro da sua narrativa. Quando ele quebra a física do universo por conta de um acontecimento no final da história, é algo que já fazia parte desde o começo da narrativa. Entretanto, eu achei a curva de aprendizado para a história muito ruim. Eu demorei para conseguir pegar todos os elementos para compreender como as coisas funcionam. Reli alguns trechos mais explicativos e mesmo assim algumas ideias me deixaram muito confuso. Somente quando eu busquei ajuda na internet para sanar as minhas dúvidas é que a história começou a fluir melhor para mim. Se eu tive que buscar ajuda em alguma wiki qualquer significa que determinados elementos estão mal explicados na narrativa. Vocês podem alegar que fui eu que não entendi a história ou não interpretei adequadamente uma informação. Entretanto, pensem no seguinte: se a minha experiência de leitura é prejudicada ou atrapalhada de uma determinada maneira, o livro perde um pouco da graça para mim. Talvez para você, leitor, a leitura flua melhor. Acho que nesse caso a experiência de leitura cai muito mais no campo de como é a recepção para cada um. Para mim, foi truncada.

O estilo de escrita de Vinge é muito bom. Não tive dúvidas a respeito da fala dos personagens, todos falam de maneira muito coerente com o seu lugar de origem. O autor adota a terceira pessoa e em duas partes das três do livro, a narrativa acontece em Pontos de Vista. Temos a visão de Johanna, Jefri, Pilgrim e Steel. Depois outros personagens entram e vemos capítulos divididos entre os quatro personagens ou com o acréscimo de Tyrathect e Pham Nuwen. Quando eu não fiquei travado por alguma explicação do autor, a história passava muito bem. Das três partes,achei a segunda melhor apesar de ser aquela maior e de preparação para o ato final,

Os personagens são muito bem construídos. No núcleo dos Tines, os personagens são bem redondos e distintos entre eles. Pilgrim é o Tine mais curioso de todos. Ele realmente tem as características de um peregrino, destacando a sua curiosidade e a sua vontade de aprender tudo aquilo que ele puder pôr as mãos. Woodcarver aparece como uma espécie de pensador que deseja implementar um novo tipo de governo e se redimir por ter criado um ser tão cruel quanto Flenser. O próprio Flenser agora está perdendo parte de sua identidade após ter se fundido com outros grupos de Tines e agora tem apenas uma vaga ideia daquilo que ele fazia em seus tempos áureos. E Steel é o típico dominador e aproveita a oportunidade de ouro que lhe é apresentada para se livrar de seus inimigos. Os dois humanos que se relacionam com os Tines, Johanna e Jefri, servem para demonstrar o contraste entre uma inteligência coletiva e uma mente única. Os Tines estranham bastante estes seres de duas pernas, que conseguem se tocar e possuem membros superiores muito articulados. A reação deles com os humanos seria muito coerente em raças deste tipo.

Não gostei da maneira como Vinge conduz a narrativa dos Tines. Apesar dos dois líderes compartilharem de objetivos parecidos (conquistar o território do outro e eliminar a oposição), o autor emprega um maniqueísmo bobo. Um é bom e o outro é mal. Ponto. Soa muito estranho se você pega alguns minutos para pensar no objetivo de ambos. Steel é mal apenas porque emprega tortura para fazer de seus grupos mais fortes. Mas, nenhum dos dois líderes se arroga da possibilidade de sacrificar seus homens se isso significar a vitória. O fato de eu não ter gostado da personagem de Johanna também pode ter contribuído para que eu não curtisse tanto o núcleo de Woodcarver.

Senti que a trama central acaba ficando meio de lado da metade para frente da história. A Blight acaba ficando em segundo plano, apesar da ameaça de destruição de todo o universo e de toda a frota sob o seu controle. Salvo a fuga em Relay eu senti pouco a iminência da ameaça. O confronto final é ainda mais decepcionante. Enquanto que a batalha em Starship Hill é emocionante, o momento final da luta contra a Blight é... é... como explicar? Broxante? Posso usar essa palavra. Os momentos em que eu mais fiquei empolgado foi com a descoberta do traidor, o momento em que um dos irmãos descobre que o outro está vivo e as maquinações acabam caindo por terra. Acho que as aventuras no planeta dos Tines devem tomar quase 70% da história. E estes são momentos em que não há a menor necessidade de haver um conflito no espaço. Dava para fazer um romance muito bom só com esse trecho. Já haveria assunto para bastante tempo.

Do núcleo espacial eu gostei da personagem da Ravna. É uma personagem feminina construída sem aqueles clichês típicos de mocinha em perigo. Ravna é ativa, sofre quando perde alguns de seus entes queridos e se mantém forte mesmo diante das adversidades. Já Pham Nuwen é uma completa incógnita e um dos personagens mais interessantes criados para esta história. Me parece que o volume 2 se foca um pouco em sua história na Qeng Ho. Essa é uma história que eu gostaria de ler. Mesmo eu não tendo gostado tanto assim da história, é preciso ver a qualidade da construção de universo feita pelo autor.

Personagens que entregam bem aquilo para o qual foram propostos, uma física de universo literário espetacular, mas sobreposta por uma curva de aprendizado ruim. A menos que você pegue rápido tudo aquilo que se passa, o leitor vai sentir um pouco o peso da narrativa. Até se localizar pode levar algum tempo. Mas, persevere pois esta é uma história que, apesar de ser um pouco difícil, recompensa bem o seu leitor.

site: www.ficcoeshumanas.com
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