Nathaniel.Figueire 26/04/2023Space opera + horror cósmico (com um gostinho de noir) é a fórmula para me conquistar!Eu me preparo há anos para ler essa série. Inclusive antes de a ler eu li "The Stars My destination", do Alfred Bester, que os autores falam ser uma grande influência (e, de fato, o é).
Eu vi as primeiras três temporadas da série televisiva, gostei da história, de alguns atores como alguns personagens (como os atores que interpretam o Miller e o Amos), mas eu criei uma antipatia ENORME com o Holden (que meio que é o protagonista da série televisa, o que não estou vendo nos livros) pelo ator que o interpreta e pela forma como a personalidade do personagem é caracterizada.
Ao terminar de ler Leviathan Wakes, minha conclusão é que é um ótimo começo de série e que supera a adaptação televisiva.
É um space opera pensado com tecnologias de um "futuro não muito distante". Claro, há aqui tecnologia para fazer um planeta anão do Cinturão de Asteroides ter gravidade própria a partir de uma rotação artificial, há os motores Epstein e tudo o mais, mas não é nada completamente fora do que conhecemos, como motores de dobra ou de salto. É uma space opera da colonização do sistema solar dentro do "possível", onde os problemas com a gravidade, os recursos no espaço etc são demonstrados na narrativa de forma que te convence como algo "realista", mas sem a dureza de um hard sf (do qual não sou muito fã).
Casar space opera como horror cósmico é para mim o ponto alto do primeiro livro e dessa série. A história se desenvolve em um ambiente de estagnação tecnológica (semelhante ao que vivemos hoje): os motores Esptein já possuem centenas de anos, Marte continua na sua lenta terraformação (e lidera os poucos avanços tecnológicos do período), a Terra precisa lidar com diversos problemas sociais e políticos pela sua hegemonia especial (com uma frota espacial ultrapassada), os Belters lutam para sobreviver em um clima tipicamente "cyberpunk" (pois são as megacorps que dominam no Cinturão de Asteroides). Entre um certo decadentismo tecnológico (todo mundo em naves antigas, meio remendadas etc) e pressões políticas e sociais (conflitos entre a Terra e Marte independente e entre a OPA belter), surge essa coisa completamente alienígena que faz os seres humanos finalmente perceberem sua pequenez na imensidão do cosmos e suas limitações cognitivas de compreender o mundo a sua volta: a "protomolécula", um vírus enviado em direção à Terra há bilhões de anos cujo provável objetivo era "hackear" a vida emergente então no planeta para algo que ninguém sabe o que é.
A história nos é contato a partir da técnica de ponto de vista: James Holden, um XO de um cargueiro extrator de gelo no Cinturão que vê sua nave ser destruída em condições misteriosas após responder a um sinal de socorro; Josephus Miller, um detetive de Ceres que ganha a missão de encontrar uma patricinha terráquea "brincando de pobre" entre os Belters. O primeiro encarna aquele estereótipo típico de herói pulp, justo, correto, integro; o segundo, encarna o típico herói noir, decadente, cínico, niilista.
O livro "me ganhou" no contraste entre Holden versus Miller, pois eles são o contrário um do outro (apesar de, no fim, terem objetivos semelhantes). Aqui os autores foram muito felizes na utilização da técnica de perspectiva para narrar, pois é muito interessante confrontar a visão idealista do Holden conta a visão cínica do Miller sobre os acontecimentos. Miller dá o tom noir da história, o que muito me agrada. Ficou para mim ainda mais claro o porquê de eu não gostar do Holden (acho-o um idiota, na verdade), mas dentro da história funcionou a babaquice ingênua dele e não me desagradou tanto quanto na série televisiva.
Só não dou cinco estrela porque achei o antagonista desse primeiro livro maniqueísta demais. Sem spoilers, acho que foi uma visão muito do tipo "olha, esses caras são MAUS!". Além disso, acho que o livro explica muito mal o incidente que dá início a toda a história (o incidente com as naves Scopuli - Anubis, o ataque à Canterbury).
Há algo que me incomoda particularmente na construção das facções dentro desse universo. A Terra é uma espécie de estado de bem-estar social misturada com um capitalismo selvagem das megacorps. Marte me parece uma espécie de socialismo de mercado estilo Chinês (posso estar errado), com toda sua sociedade voltada para o esforço da terraformação do planeta. As estações no Cinturão de Asteroides, Júpiter e Saturno são controladas principalmente pelas megacorps da Terra (até agora na série não vi falaram explicitamente de uma megacorp marciana, estou no terceiro livro), tendo uma organização de Estado quase que somente formal, pois são as empresas privadas que controlam tudo.
A população desses últimos, os Belters, são de gerações criadas em baixa gravidade, o que gerou alterações físicas e inclusive a criação de uma língua própria. Eles sentem que são constantemente sacaneados pelos marcianos e pelos terráqueos, pois vivem em um anarcocapitalismo onde até a justiça é privada. Casos como incidente na Estação Anderson, de uma revolta porque as taxas cobradas iam obrigar os Belters a racionar ainda mais recursos básicos para viver (como oxigênio), são o exemplo padrão de uma vida onde tudo, tudo mesmo, é mercadoria. Aí entra a OPA, uma organização meio terrorista, meio tentativa de ser um estado independente Belter (acho que os autores se inspiraram no Hamas). Porém, qual é exatamente a ideologia da OPA, que cada vez mais vai ganhando força durante a série? Eles surgem como uma espécie de sindicato em defesa dos interesses Belters (com diversos dos seus integrantes extremamente xenofóbicos) e se desenvolvem para uma forma de organização política. Mas o que exatamente eles querem? Acabar com a propriedade privada sobre recursos básicos de sobrevivência? Ou simplesmente a vaga ideia de "independência" em relação aos Inner Planets (Terra e Marte)? Essa foi para mim uma grande "mancada" do primeiro livro (que, até o terceiro, não vi se resolver).
Percebe-se que a OPA é uma organização mais descentralizada, como elementos ideológicos de anarquismo (células e tal), mas me faltou uma clareza do que esse grupo quer, afinal de contas, além de formar mais um estado autônomo dentro do sistema solar (o que, a meu ver, pouco resolveria os problemas que vemos os Belters enfrentarem no início dessa série).
Enfim, tirando essas coisas que me incomodaram, essa série é muito empolgante e com certeza esse ano eu termino a saga de ler os nove livros que a compõem, ainda que eu tenha a impressão de que esse primeiro livro é o ponto alto da série.
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https://universoespeculativo.wordpress.com/2023/04/26/leviathan-wakes-the-expanse-1-space-opera-horror-cosmico-com-um-gostinho-de-noir-e-a-formula-para-me-conquistar/