spoiler visualizarRakky 19/05/2011
O dia em que Lobão me fez mudar de ideia
Eu sempre achei o Lobão um porre. Um idiota, porra louca, convencido, cheio de moral que pouco fazia e falava pra caramba. Sempre o vi como o cara que fala mal de todo mundo, que odeia o universo e que se acha o fodelão. Pois bem, quando vi sua biografia à venda precisei que esse seria o livro que eu usaria para confirmar minha tese de quão idiota poderia ser o músico. E decidi que leria o livro para anotar cada ato escroto dele e justificá-lo como mais um para colaborar com as razões que eu já considerava suficientes para não gostar do cara. Peguei o livro com o Igor, comecei a ler e me ferrei. Tudo o que eu pensava estava errado. Bem errado, na verdade.
O leitor desavisado pode pensar "É claro! Foi ele que escreveu o livro, é óbvio que ele vai se deixar parecer o rei da cocada preta e se sair como herói". Não amigo, não. Por mais convencido que ele possa parecer ao longo do relato de seus 50 bem vividos anos de vida, Lobão não deixa dúvida: sempre que há um feito seu quase inacreditável, é possível ler no final do capítulo um resumo do que os jornais diziam na época sobre os mesmos acontecimentos.
Lobão e o co-autor Claudio Tognoli descrevem, sob o ponto de vista de Lobão, a vida, os amores, os desamores e problemas e os fatos mais importantes desses 50 anos do cantor. O primeiro envolvimento com a música, quando ganhou uma bateria, a vontade de tocar samba, a paixão pelo futebol e sua total falta de jeito para a coisa, a família perfeita que se destruiu pouco mais que vinte anos depois do casamento dos sonhos, a relação conturbada com o pai e com a mãe, e a proteção que queria oferecer à irmã, o começo da carreira com Ritchie e Lulu Santos no Vinama, as primeiras paixões, a gravação do primeiro álbum solo (presente de um grande amigo de infância) e a Blitz, bem como a descrição detalhada do golpe que deu na banda e de como ele se sentiu um bosta depois, os problemas (e não problemas) com drogas, a saúde, as tentativas de suicídio, as comemorações, vitórias e derrotas e, com uma riqueza de detalhes incrível, sua guerra contra as gravadoras, apenas para defender seus direitos.
Essa foi uma das partes que mais me tocou do livro. O Lobão acreditou no sonho dele. E correu atrás, feito um doido. Brigou com Deus e o mundo para garantir que a venda de CDs fosse honesta para a gravadora e para o cantor e conseguiu, a muito custo, fazer valer a lei de numeração de CDs. Brigou com gravadoras, ficou anos longe da mídia, mas conseguiu lançar álbuns independentes, criar seu próprio Selo, criar uma revista de música com um dos conteúdos mais inteligentes que já li (A OutraCoisa, que eu conheci graças ao Cascadura e que acompanhei até perder de vista), fazer shows levando apenas com um violão debaixo do braço, fazer da esposa sua empresária e continuar lutando, sem trégua, para garantir justiça para os seus e para os que amou.
Mas nem tudo são flores. Lobão foi um pouco exagerado, um pouco descabido, um pouco língua-solta, um pouco destemido e até um pouco arrogante em vários momentos, mas ele tem seus méritos para tal. Sua história com Cazuza não bate com a história contada pela mãe do moço no livro "Só as mães são felizes" em que nem se quer me lembro de ter lido mais que três ou quatro citações a ele. Lobão se justifica, dizendo que Lucinha era um amor, mas o que conheceu do filho (retratado no livro e no filme) não foi nem metade do que ele viveu. Suas acusações de plágio a Herbert Vianna criam outro ponto polêmico no livro, e é preciso ver os dois lados da história, mas vou procurar os álbuns para ouvir com atenção. Mais que qualquer coisa, é uma leitura tão recomendada como necessária àqueles que têm sede por conhecer um pouco da história da nossa música, pois Lobão a viveu e pode contar muito bem. Hoje tenho cada vez mais vontade de conhecer os trabalhos de Lobão, e recuperar o tempo perdido do meu ódio gratuito ao rapaz.