Desclassificados do ouro

Desclassificados do ouro Laura de Mello e Souza




Resenhas - Desclassificados do Ouro


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Deb 12/01/2022

Mergulhar no passado e da de cara com o presente.
Tive que ler para um trabalho da faculdade, porém não foi uma leitura chata, como costuma ser essas leituras por obrigação.
Foi uma das melhores leituras de 2021.
Me fez mudar completamente a imagem que eu já tinha estabelecida do que foi o ciclo do ouro no Brasil, mais precisamente em Minas Gerais, que é o local que a historiadora usa como seu recorte espacial.
Leiam!
Aprendam sobre a história do nosso país. A leitura transforma a nossa visão.
O livro conversa muito com a atualidade.
A ordem cronológica pode ser confusa, mas o que ele aborda supera isso.
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Raul 13/11/2013

Laura de Mello e Souza em Desclassificados do Ouro faz uma análise dos indivíduos que se situavam fora das categorias sociais que ocupavam os extremos da sociedade colonial - senhores proprietários e escravos - e como eles se encaixavam nessa sociedade. A autora usa o termo desclassificados para enquadrar esses indivíduos à peculiaridade do sistema colonial, diferentemente de como se deu o processo de marginalização na Europa, visto que, a utilização do trabalho livre e o estabelecimento do capitalismo se dava de forma diversa naquela parte do mundo. É sabido que os desclassificados foram elementos presentes em toda colônia portuguesa na América, porém a configuração do surgimento desses indivíduos se deu de forma muito peculiar no contexto de Minas Gerais.
A autora se atém ao materialismo histórico e utiliza os conceitos infra-estrutura, superestrutura e ideologia como aporte para entender a dinâmica de engendramento dos desclassificados sociais.
A discussão da falsa riqueza feita no primeiro capítulo introduz as condições econômicas em que estavam submetidos os indivíduos da capitania. A distribuição desigual das lavras, o fisco, a tributação sobre os escravos e a dependência da importação através do exclusivismo comercial dificultava a acumulação de riqueza. A distribuição das lavras para a extração de ouro obedecia um lógica excludente, a maior parte se concentrava em mãos de uma minoria que possuía o maior número de escravos. Se esses indivíduos, mesmo privilegiados por esse sistema desigual, enfrentavam dificuldades em acumular riquezas o que se pode dizer da camada despossuída de bens e que não encontravam possibilidades de vender sua força de trabalho? O saldo que se tem é um modelo econômico assentado no escravismo e no impedimento dos desfavorecidos ao acesso às fontes geradoras de riquezas. Além disso, a escravidão impedia a utilização do trabalho livre, o que gerava ainda mais desclassificados e desqualificava o trabalho aos olhos dos homens livres.
As redes do poder evidenciavam como as autoridades controlavam os desclassificados e os utilizavam para suprir a demanda de serviços degradantes ou que não eram confiáveis aos escravos e eram tidos como um exército de reserva da escravidão. É discutida a relação do bônus como já foi dito acima, eram úteis para suprir algumas demandas desse sistema - e do ônus que ajudava a reforçar a ideologia da vadiagem e justificava sua utilidade, como também a possibilidade de deixa-los sem razão de ser. Além disso, a escravidão era justificada por essa ideologia, se a liberdade tornava esses indivíduos vadios, não havia razão para abolir a escravidão, pois ao liberta-los estariam aumentando a massa de vadios, o que seria um ônus para o sistema arcar, pois cometiam crimes, praticavam violência e consumiam víveres. Percebe-se assim, um sistema que os criavam, os utilizavam e os rejeitavam quando não apresentavam serventia.
A autora discute as proposições de Raymundo Faoro e Caio Prado Jr. acerca de como a administração metropolitana agia no Brasil e como essas proposições podem ser interpretadas no caso mineiro. Enquanto o primeiro trata da administração portuguesa como algo racional e eficaz o segundo evidencia as falhas cometidas. Fato é que tais aspectos encontram ressonância na colônia em níveis diferentes em cada contexto, já o caso de minas, a autora afirma a existência de um balancês entre a submissão e a autonomia ( eficácia e não eficácia da administração) frente a coroa, ou seja, ambas concepções (de Faoro e Prado Jr.) se encaixavam ao contexto da superestrutura mineira. A coroa via a necessidade de normalização das populações para estabelecer o seu controle e arrecadar os impostos. Em nenhuma parte da colônia o poder metropolitano esteve tão presente quanto nas minas. Todo o sistema contribuía para um circulo de inter-relações que reforçavam tal poder, os escravos fugidos, a presença dos desclassificados e o sistema econômico excludente que os conduziam a criminalidade gerava um clima constante de tensão. As elites recorriam ao poder metropolitano para manter a ordem, esse, por sua vez, lançava mão dos desclassificados para reprimir e deixar as camadas dominantes em segurança, ao passo que eles próprios eram deixados à própria sorte e ...entregues à injustiça, à iniquidade, à violência, originárias muitas vezes de seus próprios aparelhos.
A obra de Laura de Mello Souza se mostra importante ao tempo que revela um processo de exclusão econômica e social e a criação de uma ideologia da vadiagem. Se esses aspectos pertencessem ao passado e somente nele os encontrássemos, talvez hoje tal estudo não seria de grande valia. Partindo da máxima de que a história é fruto do seu tempo, o que fica evidente é a ressônancia histórica dessa análise muito presente no Brasil atual. Claro que tomando os devidos cuidados de perceber os contextos históricos, é visível nos discursos dos setores mais conservadores da atual sociedade brasileira a defesa de higienização social, e da questão da redução da maioridade penal como solução para a violência e a criminalidade. Mesmo tendo sido escrito no início dos anos 80 a obra aponta para problemas ainda atuais e sua análise ajuda na compreensão de um passado que criou uma sociedade autoritária, excludente e extremamente desigual que, entre outras coisas, acaba gerando o crime e a violência que são um dos assuntos em pauta como problemas sociais no Brasil.
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