Bruno 29/01/2014Quem nunca viu uma adaptação de Peter Pan? Não é como se faltassem opções: o desenho da Disney, os filmes em live-action (e suas enésimas continuações e refilmagens), peças de teatro, livros baseados em adaptações, livros ilustrados. Como qualquer clássico infantil, esta é uma história cheia de fontes a jorrar e versões para escolher. É sempre interessante ler ao texto original, o que deu origem à toda a mitologia, e esta oportunidade nos é trazida por essa edição do clássico.
A proposta das edições “luxo de bolso” da Zahar traz justamente à tona estas histórias, com texto integral, um prefácio bonito, capa dura e um projeto gráfico fenomenal. A Cláudia comprou essa edição que encontrou nas livrarias por um preço bem camarada e, após a sua leitura, a própria lindeza do livro (devo ressaltar que adorei a capa) me atraiu para logo em seguida fazer a minha leitura, que terminei hoje.
O prefácio do livro fala um pouco do que acabei de citar: das adaptações, da origem da história, e um curto texto sobre a vida do autor. Qual não é a minha surpresa que a história deste livro – originalmente chamada apenas de Peter e Wendy não é a primeira história na qual o protagonista homônimo ao livro aparece, mas que este já fez parte de uma historinha anterior, The Little White Bird. O prefácio foi resumido para a edição de bolso (a Zahar mantém também uma edição grande, de luxo, ilustrada e comentada), mas já inova em me contar que texto em minhas mãos, a origem do clássico, não é bem a origem origem do clássico, mas ainda um texto anterior e relativamente desconhecido. Para alguém que quer ler e descobrir mais sobre a história, começamos bem.
Além disso, o prefácio ao apresentar um pedaço da vida do autor, adiciona uma camada simbólica que ajuda na história. O irmão mais velho do autor, David, morreu quando aquele tinha apenas sete anos, e Barrie afirma que sempre lembrará de seu irmão como aquele menino que jamais cresceria. Quando aliamos este causo à toda a temática da história, podemos perceber que há algum significado mais profundo por trás daquelas crianças perdidas em uma terra da imaginação.
Peter Pan usualmente dispensa apresentações, mas lá vai uma pelo bem da coesão textual: as três crianças Darling, Wendy, João, e Miguel, moram na Inglaterra com seus pais e sua babá, a cadela Naná. Em seus sonhos vagam pela misteriosa Terra do Nunca, onde tudo é aventura e imaginação – até quando não é mais. Pela janela de sua casa, entra o sempre infante Peter Pan e a sua fada sininho que, após tentar aprontar um pouco, acaba indo para trás e deixando para trás sua sombra, que é cortada pelo fechamento da janela atrás dele. Algum tempo depois, ele volta para buscar sua sombra e conhece as crianças Darlng. Com promessas de aventuras sem fim, convence as três a partirem voando com ele para a Terra do Nunca, onde conhecem os Meninos Perdidos, e tem várias aventuras com piratas, índios, sereias, e o que mais há. Mas lá agora a coisa é de verdade.
Estando acostumado com a adaptação da Disney e um ou dois dos filmes em carne e osso, fiquei surpreso de início com algumas das mudanças que fizeram do original (que fazem sentido no contexto da adaptação, mas é mesmo assim uma surpresa). Por exemplo, Peter neste original é o m enor dos meninos da ilha, inclusive tendo todos os dentes de leite. Para as adaptações, na qual ele deve visualmente aparentar ser o líder que é, o envelhecem para deixá-lo de estatura (quase, no caso do desenho) adolescente. Imagens mentais já são rapidamente quebradas quando sou forçado a imaginá-lo como um garoto de entre seis e oito anos.
Além disso, há um toque quase surrealista que permeia toda a história e que torna a leitura uma coisa mais instigante do que parecia a primeira vista. Uma aura similar a do realismo mágico – onde coisas estranhíssimas acontecem e que parecem se encaixar tão bem no senso comum dos personagens que causa a estranheza típica dos sonhos. Há vários exemplos a serem dados, mas o primeiro a sermos apresentados, com o perdão do leve spoiler, é a noite das crianças, na qual a Sra. Darling disciplinadamente “organiza a mente” das crianças durante seu sono, colocando os pensamentos felizes na frente e “varrendo para os cantos escondidos” aqueles nocivos. Além da própria personalidade da babá Naná, que age piamente como um ser humano decente e na posse de suas faculdades mentais. Após a estranheza inicial, é lógico que um livro que tem um caráter mais “onírico” (afinal, a Terra do Nunca é, a princípio, o lugar dos sonhos) tenha tal característica narrativa.
Narrativa essa que, por sinal, é um dos maiores atrativos de Peter Pan. Eu particularmente gosto muito do estilo, reminiscente das historinhas de ninar, onde o narrador, mesmo o onisciente, é consciente e tratado como um personagem por si só. Aquele do tipo que sabe que é um narrador e sabe que está contando uma história, se auto-referenciando como “se pudéssmos contar tal coisa para personagem, x aconteceria mas não teríamos história”. É algo que, apesar de ser quase comum em clássicos de cunho mais infantil, é algo que dificilmente vemos hoje em dia.
Apesar das comparações adaptação-original cansarem, é inevitável para mim, que tive a adaptação tanto tempo como meu imaginário de Peter Pan, ficar falando destas diferenças. Se antes em estilo, narrativa e aparências, o conteúdo e personalidades também apontam diferenças que tornaram a história original um tanto mais adulta do que imaginei que seria. A morte é tratada com mais indiferença, com piratas sendo mortos pelas mãos de crianças; a tarefa de Wendy como a “mãe” dos garotos é levada bem mais a sério, e acho que os garotos perdidos mantiveram cada um personalidades mais características no texto. Mas a diferença mais perceptível é a do próprio Peter Pan, aqui um garoto meio metido, bastante esquecido e simplesmente diferente que chega a níveis meio sinistros. Sem querer dar muito spoiler por motivos óbvios, mas o seu comportamento é mais alien do que o garoto altivo e enérgico das adaptações (mas é claro que mantendo estas características).
Apesar de ter gostado da narrativa e de desconstruir minhas imagens mentais da história, o estilo me era um pouco cansativo, de modo que parava de vez em quando para relaxar a cabeça. A história é narrada em tons juvenis, e isso parece ocultar para as mentes menores o simbolismo adulto por trás da história e do personagem, e a aura surreal ao redor de todos causa estranheza ao tratar de assuntos sinistros com a displicência de um moleque. O que, considerando o tema, faz todo o sentido.
site:
http://adlectorem.wordpress.com/2014/01/29/peter-pan/