Ricardo Rocha 11/07/2012
A principio, a idéia é de uma sinfonia, da apresentação de temas que serão desenvolvidos e tocados por diferentes instrumentos. O que Rose tem a dizer é quase uma sinopse. Faulkner mostra a relação de comportamentos pessoais e a História e nesse sentido a narração cronológica e uma única visão seriam deturpadoras. Destino, Deus, justiça, arbítrio, misericórdia e ausência de misericórdia estão intrinsecamente ligados. A arrogância tem seus momentos mas não prospera. A família, longe de ser o pilar que a que se costuma atribuir a força de seus membros, é vista como a causa maior das tragédias pessoais e o ser sociável faz fronteira com a linha tênue para além da qual estão a malediciência e a marginalização da diferença. A obrigatoriedade da releitura vai dando cor ao romance, como um pincel reforça a nuance em uma tela a cada passada e torna nítida uma paisagem. Talvez em Absalão Faulkner tenha atingido o ápice do estilo em que diz o que já disse como se não tivesse dito e supõe que o leitor esteja a par do que não disse ainda. Ele diz através de Rose que Sutpen é um demônio e não diz mas entendemos que ele afinal tinha motivações como as de qualquer pessoa e mais que a maioria das pessoas possui uma força de vontade férrea. Da mesma forma, o vício degenera essa virtude. A sedução da neta adolescente de Jones se equilibra entre o homem determinado e vigoroso apesar da idade e a decadência causada pelo alcoolismo e pelo agravamento de fraquezas até então ocultas. A aceitação social que o dinheiro concede não dura e na verdade há toda uma conotação social mais que sexual também no caso com a menina, na insinuação da atração homossexual, na questão do incesto e outras passagens. Tudo isso leva aliás ao contexto de onde o título é tirado, a história bíblica de David em que o rei lamenta a morte do filho traidor, "Meu filho Absalão, Absalão meu filho, meu filho!" - desde o incesto de Amnom com a irmã Tamar, passando pela amizade entre o rei e Jonatas, cujo "amor era mais maravilhoso do que o amor das mulheres" e a formosa Abisague, que tinha cuidado do rei e o servia quando velho, jovem que tirará do sério seu sábio filho Salomão etc. E, como na Bíblia, as passagens do romance se prestam a interpretações totalmente errôneas. De outra vez pode ser que eu veja de outra maneira, mas hoje considero "Absalão, Absalão" o ápice de Faulkner e provavelmente de toda a Literatura, onde recursos não exatamente originais, como a narrativa não-linear, as mudanças de perspectiva e as elipses se mostram como se fossem coisas jamais vistas, pela forma engenhosa como ele os usa para criar na agonia do espírito humano não a glória e não o lucro com a glória (do escritor) mas um material de transformação e crescimento até então inexistente para os demais homens, para que possam pela voz dessa escrita ir além do registro e, como o próprio Faulkner disse ao aceitar o Nobel, “suportar e prevalecer”.