Lucas 25/03/2015
Uma base para compreender a ideia de Deus ao longo do tempo.
Algumas ideias-chave:
- desde a tradição da Antiguidade, percebe-se que a religião não é teórica, mas prática; exige um trabalho duro e disciplinado.
- a realidade última não é um Ser Supremo, mas uma realidade abrangente; a transcendência nos leva a uma apreciação dos limites da linguagem e do entendimento.
- como descobriram os judeus, o discurso religioso e os textos sagrados são essencialmente interpretativos; e os rituais de evocação do divino exigem dedicação, envolvimento emocional e investigação.
- na origem (gregos antigos), a filosofia é uma busca espiritual, tem caráter transcendente - e os mistérios eleusinos são exemplares, nesse sentido. Os mistérios estimularam o desenvolvimento do racionalismo filosófico.
- o diálogo socrático era um exercício espiritual, na medida em que o seu logos rigoroso
desvendava uma transcendência, uma expansão dos limites da realidade e um esvaziamento apofático.
- a questão primordial e essencial é: por que existe algo, e não nada?
- fé é a capacidade de apreciar e encantar-se com as realidades não empíricas que vislumbramos no mundo.
- às vésperas da Modernidade, a teologia estava se tornando não só aridamente teórica, mas corria o risco de tornar-se idólatra, com a perda gradual do sentido apofático.
- ao entrar na era moderna, o Ocidente estava dividido entre um dogmatismo estridente e uma humildade mais liberal, que reconhecia os limites do conhecimento (os luteranos estavam exatamente na encruzilhada). Shakespeare e Montaigne exemplificam o segundo caso; de certo modo, resgataram para o contexto da modernidade o mythos e o ceticismo da antiguidade.
- no início do século XVII, a noção de verdade começou a mudar. O apofático prazer com o
desconhecimento era substituído pelo ardente desejo de certeza e pela dura intolerância dogmática. A fé começava a ser identificada com crença em opiniões.
- no projeto de Descartes, o triunfo da dúvida acaba por eliminar o Mistério. No seu voluntarioso e ambicioso projeto de encontrar uma Verdade Universal que unisse todos os homens, acabou negligenciando um aspecto fundamental da condição humana. E a teologia embarcou nessa, deixando-se levar pelo discurso filosófico e científico, de matemáticos e físicos, que pareciam se aproximar cada vez mais da revelação de Deus.
- os poetas românticos reavivaram uma espiritualidade que esteve escondida na era da ciência, recuperando o numinoso mistério da natureza.
- no século XIX, a partir de Darwin, era possível negar a existência de Deus sem contrariar as mais abalizadas evidências científicas. Pela primeira vez, a descrença era uma opção intelectual viável e sustentável.
- como diagnosticou Nietzsche, ao fazer de Deus uma verdade puramente nocional, alcançável mediante o intelecto racional e científico, sem ritual ou compromisso ético, os seres humanos o mataram. Como o antigo Deus Céu, o Deus distante dos modernos estava se retirando da consciência de seus adoradores.
- no final do século XIX, a religião que se desenhava não tinha nada mais de sobrenatural; trabalhar pelos semelhantes ocuparia o vazio deixado pelo Deus morto.
- a revolução científica da década de 1920 derrubou a ortodoxia da ciência, resgatando o desconhecimento como possível fundamento da condição humana. Os cientistas começavam a falar como os teólogos apofáticos. Não só Deus escapava ao alcance da mente humana, como o mundo natural também era elusivo. Parecia que certo grau de agnosticismo era próprio da condição humana.
- o perigo da secularização da razão, que nega a possibilidade de transcendência (como no
discurso do ateísmo militante), é que a razão pode se transformar num ídolo que procura destruir todos os rivais.
- talvez o anseio tipicamente moderno de uma verdade puramente nocional, absoluta, possa ter sido uma aberração. Após a morte do Deus moderno, e com a aceitação das limitações do conhecimento humano, poderá surgir uma nova modalidade de teologia apofática?
- por exemplo: em vez de ater-se a uma leitura literal do primeiro capítulo do Gênesis, seria
interessante encarar as implicações da visão darwiniana da natureza "violenta e impiedosa". Isso nos poderia levar a meditar sobre o inevitável sofrimento da vida, conscientizar-nos da inadequação de qualquer solução teológica simples e adquirir uma nova compreensão da Primeira Nobre Verdade do budismo: "A existência é sofrimento" - um insight que em quase todas as religiões é indispensável para a iluminação.
- teólogos e filósofos contemporâneos propõem que devemos explorar nosso mecanismo mental normal, observando como ele nos leva naturalmente à transcendência; a maneira como reações bem comuns se encaminham para a alteridade; veja-se, por exemplo, a música - uma atividade definitivamente racional, mas que não deixa de ser uma teologia natural.