Val 17/06/2020
A assustadora e reveladora batalha de Londres.
Em meados do século XIX, a cidade de Londres era a mais populosa do mundo, concentrando, só no distrito de Berwick, 108 habitantes por km², enquanto, por exemplo, Manhattan abriga hoje algo em torno de 25 habitantes por km². A quantidade de dejetos humanos concentrados no espaço metropolitano infligia a Londres uma fedentina sem par, uma vez que a maioria das fezes era apenas recolhida pelos chamados catadores, que as vendiam para fertilizar as hortas e pomares das redondezas. Não havia sistema de esgoto.
Este é apenas um dos assuntos de que trata o livro O Mapa Fantasma, de Steven Johnson, escritor de ciência norte americano que transformou um episódio da história da ciência numa narrativa eletrizante, demonstrando como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. No mundo de hoje, com desinfetantes específicos, medicamentos adequados, sistemas de canalização e tratamento de esgoto e, enfim, com saneamento básico, não se tem a menor noção do que eram, há pouco mais de um século e meio, as condições de insalubridade até dos mais nobres em todo o mundo.
Este livro, nesta época de pandemia do Coronavirus, torna-se uma leitura bastante interessante para demonstrar, de forma dramática e eficiente, como um vírus ou qualquer bactéria contamina com facilidade a população e a importância da prevenção e controle. Nele é demonstrado, por exemplo, a importância das bactérias e que, diferentemente dos vírus, sem elas não haveria vida neste planeta. Outrossim, Johnson explora o assunto e alerta para o risco de pandemia a partir da evolução e adaptação do vírus A1N5 (gripe aviária) no ser humano, o que provavelmente aconteceu com o aparecimento do Covid-19.
Voltando a Londres, um dia em agosto de 1854, no populoso Soho, uma bebê de seis meses começa a vomitar e evacuar fezes líquidas e esverdeadas. Sua mãe, seguindo as normas de higiene da época, lavava suas fraldas e panos num balde e depois despejava seu conteúdo pestilento com Cólera numa fossa que desaguava no Tâmisa, rio que cruza a parte mais populosa da cidade e em cujas margens trabalhavam catadores de ossos, de fezes, de ostras, junta-trapos, lameiros, exploradores de esgotos, lixeiros, limpadores de fossa, cata-velas, cata-bagulhos entre outros. Mas o rio famoso também abastecia a cidade de água “potável” e o contágio pelo vírus do cólera foi inevitável, provocando a maior epidemia de todos os tempos.
A partir desse episódio, a narrativa nos leva à descoberta do tratamento inicial do cólera e à obrigação do governo britânico de desenvolver um sistema de esgoto para a cidade, que hoje serve de modelo tanto para metrópoles como para pequenas cidades pelo mundo.
E nessa balada, com ritmo, sarcasmo e inúmeras comparações com situações da atualidade, o autor nos proporciona diversas e agradáveis informações sobre nossa evolução social, científica e tecnológica, numa linguagem coloquial muito envolvente. Impossível naõ refletir sobre nosso passado, nosso tempo e nossa vida durante a agradável leitura desta obra.
Valdemir Martins
08.06.2020
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