Matheus 23/01/2021
“(...) e se contemplas o abismo, a ti o abismo também contempla”
Watchmen é uma graphic novel canônica roteirizada por Alan Moore e ilustrada por Dave Gibbons, cuja proposta é apresentar aos leitores, de forma realista, um mundo semelhante ao nosso, porém coabitado por heróis mascados e super-humanos. Na contramão das convenções narrativas mais rentáveis da época, Moore arquiteta uma trama focada em questões políticas e existenciais, na qual os supostos justiceiros precisam lidar com um mundo polarizado prestes a ser destruído por uma guerra nuclear.
A tensão global da Guerra Fria permeia todos os arcos da trama. Os EUA, uma bomba relógio prestes a “implodir”. Os avanços tecnológicos e bélicos atrelados à ascensão dos heróis, personificados principalmente na figura do Dr. Manhattan, criam uma atmosfera caótica no país, na qual poder e colapso se equilibram numa corda bamba. Nesse cenário, por consequência, não existem vilões ou mocinhos, à medida que os heróis, supostos paladinos da moral e da honra, se mostram tão amorais ou cruéis quanto seus antagonistas. O bem e o mal, tornam-se relativos, assim como o paradigma do tempo na era pós-Einsteiniana.
Se precisasse escolher o principal elemento que torna “Watchmen” inesquecível, diria que são seus personagens brilhantes. A essência e as contradições de cada um deles, em especial Rorschach, Ozymandias, Comediante e Dr. Manhattan, são o motor que torna o enredo da HQ tão profundo e fascinante. Enigmas ambulantes, de atitudes imprevisíveis, que a cada virada de página suscitam novas provocações. Eles são tudo, menos heróis convencionais: às vezes indiferentes, outras demasiadamente humanos.
Nas palavras do Ozymandias: “Meu novo mundo requer menos heroísmo óbvio”. E como não poderia ser diferente, o desfecho subverte expectativas, pintando uma irônica interrogação em nossa cara. Ao mesmo tempo catártico e sufocante, o encerramento dos arcos deixa o leitor com um gosto amargo na boca. Até onde você estaria disposto a ir para salvar a humanidade? E se a conquista de um mundo melhor exigir um cálculo utilitarista em que as vidas das pessoas estão em jogo? E afinal, até o derradeiro desfecho, estariam os heróis apenas alimentando uma máquina de violência e ressentimento com suas nobres missões? Essas foram algumas das perguntas que remanesceram comigo.
“Watchmen” é uma obra-prima em todos os sentidos. Leia.