jota 19/08/2011Escola walseriana de vidaDepois de O Ajudante (Arx, 2003), Jakob von Gunten (Companhia das Letras, 2011) é o segundo livro do escritor suíço (e autor favorito de Kafka; que o teria influenciado, inclusive) Robert Walser (1878-1956) que leio. Em alguns países europeu e nos EUA o livro recebeu o título de Instituto Benjamenta, que é onde Jakob von Gunten é aluno interno.
Ali "(...) se aprende muito pouco, faltam professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja, seremos, todos, coisa muito pequena e secundária em nossa vida futura." São muitos os mistérios que envolvem o Instituto e seus diretores, o sr. Benjamenta e sua irmã Lisa, professora por quem Jakob mostra grande interesse. Ele vai registrando, sob a forma de diário, suas impressões acerca da vida ali no Instituto e vai passando diversas informações acerca de seus mestres e colegas, também sobre sua família.
Jakob é um jovem de origem supostamente nobre que ingressa nessa instituição especializada na formação de criados, desejoso de aprender a servir. Espelha-se sobretudo no colega Kraus, modelo de humildade e subserviência. Mas o aprendizado revela-se penoso e Jakob passa grande parte do tempo a refletir sobre sua condição. E seu discurso acaba indo muito além do jardim do Instituto Benjamenta...
Se Jakob quer servir, quer ser um serviçal (está no Instituto Benjamenta para aprender a ser um), no entanto sua família tem carruagens, criados e a mãe, um camarote no teatro. Mas ele evita os pais (embora mantenha contatos esporádicos com o irmão, vários anos mais velho que ele) e registra em seu diário: "(...) não escrevo para meus pais, porque já um simples relato me desencaminharia, arruinaria por completo meu plano de começar bem de baixo." Um pouco antes ele afirmara que se preparava "(...) para o duro e o sombrio que está por vir." O que seria isso ele não diz, mas conforme a leitura vai evoluindo vamos percebendo do que se trata. Depois de mais um de seus devaneios ou reflexões ("Analisar, apreender, pensar, tudo isso faz a espécie humana perder o ânimo de viver"), finaliza: "Quanta baboseira." Percebe?
Bem, o Instituto Benjamenta adestra tão bem os estudantes para servir como criados da classe alta alemã, que acaba eliminando neles todos os traços de contestação e curiosidade, que considera defeitos morais. Lá pelas tantas páginas Jakob afirma: "Pensar é resistir", significando que apequenar-se, tornar-se humilde pressupõe a ausência de pensamento independente. Grande meta da instituição.
J. M. Coetzee afirma que "Walser extrai de sua própria experiência de vida o material para seus romances." Então Jakob Von Gunten é também autobiográfico e em certos trechos é possível detectar que uma loucura latente já estava se instalando em Walser duas décadas antes (o livro é de 1909) de sua internação numa clínica psiquiátrica em Berna (em 1929).
Bem, leitura finda e fico com a sensação de que este Jakob von Gunten é bastante sombrio (evidenciaria prenúncios da Primeira Grande Guerra, como supõe alguns críticos?) e me agradou menos que O Ajudante, que tinha bastante humor e ironia (e a simpatia de Joseph Marti). Vamos aguardar a publicação de outros livros de Walser no Brasil, como Os Irmãos Tanner e especialmente Microescritos para conhecer mais deste escritor notável, ainda razoavelmente desconhecido por estas bandas.