jonatas.brito 13/03/2016
Essencial!
Que o russo Liev Tolstói foi um dos mais importantes e prolíficos escritores que já pisou os pés neste mundo, todos nós sabemos. É inegável sua contribuição para a literatura com obras como Guerra e Paz, Anna Kariênina, Ressurreição, Padre Sérgio e A Morte de Ivan Ilitch. Mas uma coisa que poucos sabem é que Tolstói excedeu o campo da ficção e tornou-se o precursor de uma nova filosofia de vida que lhe rendeu vários adeptos ao redor do mundo, dando início ao movimento intitulado Tolstóismo.
Liev Tolstói (1828-1910) quando jovem, levou uma vida de muita libertinagem. Era frequentador assíduo de bordéis, jogos e bebidas. Em 1862, aos 34 anos, casa-se com Sófia Behrs, de apenas 19 anos, e com ela teve 13 filhos. Embora desde sua mocidade ele já buscasse com todas as forças crer na existência de Deus (dilema que o fez desejar o suicídio várias vezes), foi em sua velhice que, após uma séria crise espiritual, decidiu converter-se definitivamente ao Cristianismo. “Uma Confissão”, escrito em 1882, seria o primogênito de muitas obras que Tolstói escreveu após tornar-se cristão. Embora declaradamente seguidor dos ensinos de Jesus Cristo, Tolstói apenas creditava os atributos divinos ao Deus criador. Para ele, Jesus Cristo foi um ser humano notável, ímpar e digno de ser seguido por ele e por todos, nada mais (particularmente, não compreendi como ele conseguia distinguir crer no santo e não nos seus milagres, mas enfim…).
Em “Os Últimos Dias” – organizado pelo escritor norte-americano Jay Parini – encontramos preciosos textos, ensaios, parábolas e cartas escritas por Tolstói – a maioria de cunho filosófico e idealista – nos anos que antecederam sua morte e que representam o auge de sua peregrinação religiosa. Não se trata necessariamente de uma autobiografia, o objetivo deste livro é de permitir ao leitor aprofundar-se acerca do Tolstói crítico, filósofo, “cristão” e utopista.
Liev Tolstói era um anarquista (embora não o considerasse um). Mas seus textos não deixam dúvida. Ele pregava o fim de toda espécie de governo bem como o fim de todo sentimento de patriotismo, que para ele, além de ser altamente danoso, figurava o princípio de todas as guerras. Tomando como exemplo o próprio Jesus Cristo – que foi morto injustamente e sem oferecer nenhuma resistência – Tolstói foi um dos principais “profetas” a pregar a Revolução Não-Violenta. Sua filosofia a esse respeito influenciou diretamente a Gandhi, que chegou a trocar algumas cartas com o profeta russo. Tolstói idealizava uma sociedade onde não houvesse hierarquia, que todos se respeitassem igualmente e que o amor ao próximo fosse a lei maior.
Pregava o jejum como o primeiro passo para uma vida de abstinências, bem como a união de todas as religiões em uma única fé. No texto intitulado “O Primeiro Degrau” de 1891, ele relata sua visita a um matadouro e, após testemunhar como os animais eram torturados e mortos, revela como isso o fez repudiar qualquer alimento de origem animal, tornando-se vegetariano. Mesmo envolvendo-se no passado com várias mulheres, após sua conversão, começou a pregar o sexo apenas com a finalidade de reprodução, jamais para o prazer.
Em 1901 – assustada com a crescente fama de profeta que Tolstói tinha em toda a Rússia – a Igreja Ortodoxa Russa, vendo-o como uma grande ameaça contra toda a tradição cristã, acusa-o de insolência contra o Senhor, contra Cristo e contra toda a herança sagrada, considerando-o um herege, decide excomungá-lo publicamente da comunhão da Igreja. Como resposta, Tolstói acusa a resolução do Sínodo como ilegítima, ambígua, arbitrária e caluniosa e que, ao contrário das declarações da Igreja, não houve nenhuma tentativa por parte do clero de persuadi-lo de suas ideias consideradas inverdades.
Mas nem tudo se resume a religião. Em ensaios como “O Que é Arte?” (1896), Tolstói explica que, para ele, a arte “é um meio de comunicação que, unindo pessoas pelos mesmos sentimentos, é indispensável para a vida e o progresso de cada indivíduo e de toda a humanidade”. E no revelador “Sobre Shakespeare e o Teatro (Um Ensaio Crítico)” (1906), ele expõe o porquê que considera Shakespeare um charlatão, criticando negativamente suas principais peças e acusando-o de plagiar peças já conhecidas da época.
Enfim, ler “Os Últimos Dias” nos permite conhecermos um Tolstói além de seus grandes romances. Nos tornamos mais íntimos dele e de suas ideias. Descobrimos um escritor preocupado com sua gente e com o futuro de toda a humanidade. Um ser humano que, mesmo o leitor não compactuando com tudo que ele pregava, deixou um legado de fé e esperança em um mundo melhor e mais justo.
site: https://garimpoliterario.wordpress.com/2016/03/06/resenha-os-ultimos-dias-de-liev-tolstoi-jay-parini/