A Arte do Romance

A Arte do Romance Milan Kundera




Resenhas - A Arte do Romance


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wesley.moreiradeandrade 11/01/2017

“O romance acompanha o homem constante e fielmente desde o princípio dos tempos modernos. A “paixão de conhecer”(aquela que Husserl considera a essência da espiritualidade europeia) se apossou dele então, para que ele perscrute a vida concreta do homem e a proteja contra “o esquecimento do ser”; para que ele mantenha “o mundo da vida” sob uma iluminação perpétua. É nesse sentido que compreendo e compartilho a obstinação com que Hermann Broch repetia: Descobrir o que somente um romance pode descobrir é a única razão de ser de um romance. O romance que não descobre algo até então desconhecido da existência é imoral. O conhecimento é a única moral do romance.” (A arte do romance, página 13)

Não li nenhuma obra literária de Milan Kundera, autor de A Insustentável Leveza do Ser, porém a leitura de A Arte do Romance (Companhia das Letras, 2009) não exige tanto o conhecimento prévio dos seus textos mais conhecidos. Ele versa sobre os métodos de composição dos seus romances, porém também levanta reflexões sobre o próprio gênero literário desde o paradigmático Dom Quixote de Miguel de Cervantes até a obra original e inquietante de Franz Kafka. Kundera tece reflexões sobre o romance europeu, que teve seu pleno desenvolvimento nos séculos XVIII e XIX, como uma forma de entender os meandros da feitura de um romance como para compreensão da própria Europa, do como estas obras importantes refletem um estado de espírito, o momento histórico de uma época e deste continente como um todo. O livro é dividido em 7 partes compostas por ensaios escritos pelo autor (sobre Cervantes, sobre Kafka, sobre Hermann Broch), transcrição de entrevista concedida pelo autor ao jornalista Christian Salmon (da revista Paris Review), um dicionário de palavras-chave que definem a obra de Kundera desenvolvido pelo próprio. O livro não chega a ser uma obra fundamental da crítica literária, como os tratados de Mikhail Bakhtin, Georg Lukács, Antonio Cândido, Massaud Moisés, entre tantos outros, porém ajuda a entender esta difícil e fascinante arte que é a de escrever (é sempre uma delícia e muito curioso também ler um artesão das palavras versando sobre o seu próprio trabalho), lançando uma luz para aqueles interessados em aprofundar seus estudos teóricos sobre o romance literário.

site: https://escritoswesleymoreira.blogspot.com.br/2013/01/na-estante-1-arte-do-romance-milan.html
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Eliza 27/01/2015

Não sei quanto a vocês, mas me extasia ver em alguém famoso, respeitável e engrandecido, características essencialmente humanas e tropeçadas corriqueiras no discurso ou no jeito de ser. Me ajuda a me identificar com a pessoa por trás do eu-público que se cria, me ajuda a lembrar que quem quer que sejamos, temos muito a aprender.

Este livro de Kundera sobre escrever romances, tem algumas partes realmente geniais. Me encanta como ele fala de seus romances como um conhecedor intrínseco da forma que ele mesmo usa e com justificativas de porquê essa forma se tornou seu estilo. Kundera é sem dúvida, um teórico da literatura, além de um romancista reconhecido mundialmente.

O que me incomoda no livro é a visão reducionista da produção de romances como um todo. O autor se restringe a citar autores europeus e a referir-se cultura européia como modelo, e afirma, com isso, que quando se pensa em romance, há que se considerar essa única tradição. Discordo dessa compreensão e desse approach a esse assunto.

Um outro equívoco (entendo como tal) que me saltou aos olhos foi (salvo engano) a ausência de nomes femininos da literatura em todo esse livro que destrincha a história do romance e grandes nomes que foram divisores de águas na literatura. As referências de Kundera são iminentemente masculinas e toda a sua teoria do romance se baseia na produção de autores (homens) europeus.

Hoje mesmo fui lembrada de que o primeiro romance do mundo foi escrito por uma japonesa chamada Murasaki Shikibu, em 1007, e se chama “O conto de Genji”. Há que se lembrar também que muitas mulheres, em dado momento histórico portaram pseudônimos masculinos, porque só assim podiam publicar, e participaram ativamente da construção do que é o romance de hoje. Lembremos de Jane Austen e das irmãs Brontë, por exemplo.

O livro traz, no entanto, inúmeros insights interessantes sobre a construção do romance, a progressão histórica do gênero e especialmente clarifica algumas noções a respeito dos livros do próprio Kundera e suas escolhas quanto aos personagens, tipos de conflito, divisões dos romances em partes e pitadas filosóficas que escolhe inserir neles. Um livro válido de se ler, e porquê não, de se questionar.
Shadai.Vieira 12/02/2018minha estante
tem partes geniais, mas em alguns momentos ele foca tanto na Europa de tal forma que parece que só lá o romance exista, e o que o resto do mundo faz é algo menor, e isso me incomodou também.
e ele puxou tanto o saco do (não conheço) Broch, que desconfio ter sido mais por ser fã do que, realmente, por merecimento.


Dan 11/09/2018minha estante
Acho que o autor escolheu somente autores europeus não por machismo e etnocentrismo, mas por opção (quem sabe ele se sinta mais familiarizado com esses autores?). Porém, não nego o pouco espaço que a mulher recebeu na história da literatura. Kundera está dentro da tradição ocidental, e na tradição ocidental o romance tem seu berço na Europa. O maior romance de todos os tempos é D.Quixote (por suas infindáveis qualidades literárias); o maior de todos os romancistas talvez seja Tolstói ou Marcel Proust. Por questão de escopo Kundera resolveu escolher escritores europeus (Assim como existem especialistas em Literatura Latino-Americana, talvez ele domine mais o contexto europeu).




Eduardo A. A. Almeida 07/12/2014

SABEDORIA DO ROMANCE
É o que o escritor Milan Kundera defende, uma sabedoria própria do romance, percebida e contada por narrativas, quase sempre em desalinho com os grandes avanços científicos e muitas vezes mais pertinentes do que eles. Tal saber viria da observação do mundo e da perspicácia de captar nele não as luzes mas as trevas – para usar esta expressão do filósofo Giorgio Agamben. Ou seja, a sensibilidade do romancista seria capaz de apreender dilemas contemporâneos que ainda não vieram à tona, porém agem às escondidas e nos afetam sem que nós saibamos, sem que estejamos aptos para distingui-los.
"Descobrir o que somente ele pode descobrir é a única razão de ser de um romance". Essa ideia é desenvolvida nos diversos textos que compõem A arte do romance, primeiro livro de "não-ficção" de Kundera. Estão nele reflexões obtidas a partir da sua experiência como escritor, as quais não se propõem como teoria, mas como "confissões". Entre elas, a tal sabedoria do romance foi a que mais me chamou a atenção. Claro, olhando para minha biblioteca particular, dando-me conta de que dois terços de todos os livros que li são romances, não tenho como discordar, nem mesmo se quisesse.
Posso afirmar que foi com romances que descobri as coisas mais complicadas: a insuficiência das relações humanas; a inexatidão/enganação da História; a força transgressora, profanadora e transformadora do humor; a necessidade urgente da desmilitarização em todos os seus sentidos; o devir minoria; a penetração da política na banalidade da rotina; o fascismo da língua; a estrutura ficcional que sustenta a dita "realidade".
Nada disso é exclusividade da minha experiência como leitor – pelo menos da Modernidade em diante, boa parte dos pensadores se dedicam a analisar e até mesmo a produzir literatura, romances em especial. Filósofos, sociólogos, etnógrafos, educadores, políticos, psicólogos, artistas de outros campos – de alguma maneira eles flertam com a sabedoria possível daquela forma literária tão impregnada na cultura geral.
Uma das sabedorias que Kundera destaca é a da incerteza – a incrível capacidade que o romance oferece de contrariar a lógica e os dogmas, de mostrar que o julgamento e a busca da verdade se esfacelam perante a relatividade do mundo dos homens. É o que nos faz acreditar nas perguntas porém jamais nas respostas; a jamais sermos guiados apenas pela razão, uma vez que ela levará – necessariamente – a uma ilusão absolutista. Relatividade que manterá sempre em dúvida a moral de Anna Karenina, de Tolstói; K., de Kafka; Capitu, de Machado. E que colocará em questão a moral em si. "O romance é o paraíso imaginário dos indivíduos. É o território em que ninguém é dono da verdade". Ele dá a ver a ambiguidade de que somos feitos.
O romance oferece aberturas. Linhas de fuga. Desvios. Oferece a possibilidade de inventar lugares para que modos de existência de todo tipo ocupem, encontrem outros, dialoguem. Lugares oriundos de fraturas do mundo, para citar novamente Agamben, que por sua vez chega a essa ideia por um poema de Osip Mandelstam.
A vontade de abertura do pensamento caracteriza o romance como transgressor de uma ordem social pautada na obediência, na servidão e no assujeitamento; desse ideal iluminista que acredita cegamente na democracia da maioria e que pretende assegurá-la pelo terrorismo de Estado. Não à toa foi uma pilha de livros que vimos queimar toda vez que um regime totalitarista assumiu o poder.
A dissidência provém da sua inquietação. "O romance não pode mais viver em paz com o espírito de nosso tempo: se ainda quer continuar a descobrir o que não foi descoberto, se ainda quer 'progredir' como romance, ele só pode fazê-lo contra o progresso do mundo".
Vale ressaltar que o romance não se apresenta como manual, não tem a pretensão de salvar nem de corromper, por mais que algo consiga ser aprendido com ele. A noção de verdade lhe escapa. Sua memória falha. Seu sentido para a existência humana é irônico. Talvez por isso sua sabedoria é menosprezada quando comparada à ciência.
Kundera alerta que "não se pode julgar o espírito de um século exclusivamente segundo suas ideias, seus conceitos teóricos, sem levar em consideração a arte e especialmente o romance. O século XIX inventou a locomotiva, e Hegel estava certo de ter apreendido o próprio espírito da História universal. Flaubert descobriu a tolice. Ouso dizer que essa foi a maior descoberta de um século tão orgulhoso da sua razão científica".
A tolice que Flaubert denunciou permanece em nosso cotidiano. Uma tolice moderna que não significa ignorância ou falta de informação, mas o "não pensamento das ideias recebidas", ou seja, a nossa preguiça concordante, consensual, superficial, agressiva, confortável. Tolice que determina um padrão de comportamento dominante, que aceita esse padrão, independente de idade, gênero ou classe social.
Admiro o romance pelas suas tentativas de retratar um contemporâneo que não fica parado para ser observado em detalhes, portanto impossível de ser descrito com exatidão. Pelo contrário, ele jamais adquire forma verossímil.
Como Kundera explica, "o romance não examina a realidade mas sim a existência. A existência não é o que aconteceu, é o campo das possibilidades humanas, tudo aquilo que o homem pode tornar-se, tudo aquilo de que é capaz. Os romancistas desenham o mapa da existência descobrindo esta ou aquela possibilidade humana. (...) Existir, isso quer dizer: 'ser-no-mundo'. É preciso portanto compreender o personagem e seu mundo como possibilidades".

site: Publicado originalmente no Correio Popular e também aqui: http://www.artefazparte.com/2014/12/sabedoria-do-romance.html
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Cássio 03/04/2014

Como o próprio Kundera diz na introdução, o livro não possui nenhuma ambição teórica no que tange a análise literária do romance, mas sim uma visão pragmática do que , para um autor (grande autor, no caso), é o romance.
Livro esclarecedor, "conciso" e, em certas partes, profundo. Recomendo para as pessoas que queiram saber qual é o objetivo - se é que tem um -, o objeto e a sabedoria do romance. Além disso, o livro fala de váááários outros autores peso-pesados - Joyce, Broch, Cervantes, Musil, Kafka, etc -, o que acaba instigando o leitor a conhecê-los melhor, devido a maneira sensacional que o autor discorre sobre eles.
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robertablo 19/03/2012

"A arte do romance" é um banho de conhecimento literário, de um dos maiores escritores da nossa época.

Dividido em 7 partes (como todos os outros livros de Kundera, com somente uma exceção), o livro possui reflexões, entrevistas, discursos e um pequeno dicionário sobre os mais variados assuntos dessa arte escrita.

Ótimo para quem quer aprender mais sobre o assunto. Abaixo uma pequena degustação:

“Mas o homem perdeu a necessidade de poesia, perceberá ele seu desaparecimento? O fim não é uma explosão apocalíptica. Talvez não exista nada tão pacífico quanto o fim.”
— Milan Kundera, em A Arte do Romance. Pg. 45.
Nanda 13/05/2013minha estante
Estou gostando muito dessa obra fantástica!




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