Codinome 06/08/2021
Um pouco sobre "O homem da multidão"
Lendo um prefácio de Luiz Alfredo Garcia-Roza, descobri uma obra de Poe chamada "O homem da multidão", um conto publicado em 1840. Naquela determinada circunstância, Garcia-Roza prefaciava "O estranho caso do dr. Jekyll e sr. Hyde", um nome suficientemente bom para qualquer tradução que se queira fazer de "The strange case of Dr Jekyll and Mr Hyde", e utiliza-se do conto de Poe para abordar a dificuldade que existe em prescrutar o outro. Um conto que, em sua visão, tem um "enigma" e ele é indecifrável. Diferente de "Os crimes da rua Morgue", o qual também analisa, e que trata-se de um outro conto de Poe, em que cria, nada mais nada menos, que o binário detetive e análise de um crime; esse sim, que através de um método dedutivo, chega-se à solução do enigma.
Dessa forma, Poe aprofunda a literatura: uma com um mistério que tem solução, que é a literatura policial clássica (que ele cria); e uma em que o mistério não tem solução, podemos colocá-la em um nível de literatura gótica (essa já existia, mas, de algum modo, ele ajuda a deixá-la mais famosa).
Aqui abro um parêntesis: Quando começa-se a encontrar gêneros nos livros, muitos críticos começam também a olhar os determinados gêneros e livros com preconceitos. Considerando determinada literatura como subliteratura. Caem na velha máxima de julgar um livro pela capa, ou melhor, pelo gênero. Dessa forma, grande parte da crítica prefere nem usar essa abordagem de gênero e tipificação de um livro, pois acham que essa espécie de rótulo diminuiria a grandeza de um texto. Por exemplo: você nunca verá um crítico falando que "Crime e castigo" é um grandioso romance policial, mas sim o mesmo dizendo que é um assombroso clássico ou romance da literatura.
Talvez por isso que muitos dos analistas literários joguem Poe em um segundo plano, não dando a devida importância no pioneirismo que ele teve na formulação de tipificações literárias: distantes de serem apenas rótulos, mas sim estruturas clássicas que guardam riquezas dentro delas próprias. Podendo, até mesmo, conversarem entre si e, assim, serem aprofundadas, tal como foram no século XX.
Voltando a "O homem da multidão", é um conto que está longe de ser um precursor da literatura gótica, iniciada por Horace Walpole, em 1764, com "O castelo de Otranto". Mas que traz esse conceito do duplo, que além de ter o problema de investigar o outro, também traz a inescrutabilidade dos crimes secretos e maus mais profundos que podem estar tanto fora quanto, até mesmo, dentro de nós mesmos. Aliás, essa é a tese que Garcia-Roza desenvolve de forma ensaística em seu prefácio.
Em relação ao conto de Poe, achei-o extremamente original no clímax que cria do narrador seguindo o homem na multidão: algo que, até o momento, lembro-me de ter visto apenas em "A trilogia de Nova York", de Paul Auster, que provavelmente leu esse conto e soube aprofundar o clássico.